Lançados entre 1980 e 1984, eles chegam às
lojas mostrando as diferentes facetas do artista, de admirador do folclore
pernambucano a ‘hitmaker’ de reggaes
Os discos ‘Coração bobo’ e ‘Cavalo de pau’
voltam em versão avulsa; já ‘Cinco sentidos’, ‘Anjo avesso’ e ‘Mágico’ vêm na
caixa ‘Três tons de Alceu Valença’
Eu me sentia um exilado artístico, peguei uma fama terrível
de maldito — conta ele, que então fez o espetáculo “Alceu Valença em noite de
au revoir” e se mandou para a França, onde chegou a gravar um disco que não foi
lançado.
Morto de saudades, o cantor logo voltou
ao Brasil. E apresentou no Festival da TV Tupi a música “Coração bobo”, que foi
desclassificada. Bode total. Na volta para o Rio, porém, sua empresária o
esperava aos pulos: a canção tinha chamado a atenção do produtor Marco Mazzola,
que estava montando o elenco da gravadora Ariola.
Com o LP “Coração bobo”, lançado em
1980, Alceu iniciaria a fase de ouro de sua carreira, de grandes sucessos e
milhões de discos vendidos. Uma história que a Universal Music recupera agora
com a reedição simultânea de “Coração bobo”, “Cinco sentidos” (1981), “Cavalo
de pau” (1982), “Anjo avesso” (1983) e “Mágico” (1984). O segundo, o quarto e o
quinto discos vêm na caixa “Três tons de Alceu Valença”. Já os outros voltam em
versão avulsa.
— Eu fazia música como quem faz cinema.
Cada um desses discos tem uma característica, um timbre diferente — relembra
hoje Alceu, 66 anos, lá se vão mais de 30 desde o início da sua caminhada rumo
às paradas de sucessos.
Num tempo em que artistas nordestinos
como Zé Ramalho, Fagner e Elba Ramalho dominavam as rádios, o pernambucano
chegou com “Coração bobo”, disco que promovia uma reconexão elétrica com a
música de Luiz Gonzaga e de Jackson do Pandeiro, com acenos aos maracatus e às
canções violeiras (como “Na primeira manhã”). O disco de estreia pela Ariola vendeu
cerca de 450 mil cópias, credenciando Alceu para alçar para voos mais altos.
“Cinco sentidos” teve um resultado
comercial inferior (150 mil cópias vendidas), um único sucesso (“Cabelo no
pente”), mas representou a volta do artista às suas raízes artísticas. “Seixo
miúdo”, que fecha o LP, é uma música que ele compôs em 1969 sob o impacto do
pouso dos astronautas na Lua, quando estudava nos Estados Unidos.
— “Cinco sentidos” é um disco de
revelações — define Alceu Valença.
LP de oito faixas rendeu problemas
Em 1982, “Cavalo de pau” viria como uma
grande surpresa. Dois reggaes com sabor de manga rosa e umbu-cajá tomaram as
rádios de assalto: “Tropicana” e “Como dois animais”. No fim do ano, o disco
batia o milhão de cópias vendidas, e Alceu virava, enfim, a estrela que havia
muito se anunciava. E pensar que aquele era tido como um disco-problema, já que
fora entregue à gravadora com oito faixas, e não as tradicionais 12 a 14 que
cabem em um LP.
— Aquela era uma obra completa,
acrescentar outras faixas seria como botar bigode em uma pintura — considera
Alceu. — Esse disco só saiu do jeito que deveria sair porque o Mazzola tinha um
respeito total pelos artistas.
No álbum seguinte, “Anjo avesso”, o
cantor deu mais uma guinada, rumo à riqueza musical e espiritual da cidade de
Olinda. Frevo, xote, maracatu e as figuras das festas típicas da cidade
disseram alô nesse disco, cujo grande sucesso foi “Anunciação” (“Tu vens, tu
vens / eu já escuto os teus sinais”), música que acabou sendo identificada com
a crescente campanha das Diretas.
— A anunciação era de outra coisa, mas
se estava servindo ali, tudo bem — diz Alceu, que em seguida realizou um grande
sonho, que foi gravar o LP “Mágico” na Holanda (logo ele, que, criança, ia ao
rádio participar de concursos em que respondia a perguntas sobre a invasão
holandesa de Pernambuco). — Eu era quase um intelectual mirim!
O hit de “Mágico” (LP que até hoje
impressiona pela pressão sonora) foi “Solidão”, faixa que Alceu pediu à
gravadora para tirar das rádios depois que um amigo, torturado na ditadura,
disse que ficava deprimido ao ouvi-la.
— Eu pensava: será que estou fazendo
mal às pessoas? Mas aí perguntei a mamãe o que ela achava e ele disse: “Acho
bonita, é a trilha sonora para entender a solidão do mar!”
SILVIO ESSINGER
o globo
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