domingo, 5 de maio de 2013

MEMÓRIA: Há dez anos, o Brasil perdia Waly Salomão um militante da inteligência e da liberdade

Defensor de uma arte sem amarras, o multipoeta baiano propagou sua antropofagia e anarquia pessoais a poemas, prosa, artes visuais, capas de discos e artistas da MPB

 /

 A transa do poeta multimídia Waly Salomão (1943-2003) – quando o sexo ainda era significado secundário para o verbete – sempre foi pela palavra escrita, e pela palavra com a possibilidade de ser declamada, talvez cantada. O baiano, filho de um sírio com uma sertaneja, se foi há exatamente uma década, no dia 5 de maio de 2003, aos 59 anos. Defensor ferrenho de uma arte sem amarras, ele propagou sua antropofagia e anarquia pessoais a poemas, prosa, artes visuais, capas de discos e artistas da MPB – além de ter estado à frente, por um curto período de tempo, de gabinetes de política cultural.



 Não fosse o tumor fatal no intestino, que acabou causando metástase no fígado, Waly teria dado prosseguimento à recém-iniciada empreitada como secretário do Livro e da Leitura, cargo oferecido pelo então ministro da Cultura Gilberto Gil, meses antes de sua morte. No início da nota oficial sobre o falecimento do poeta-secretário, trechos de Vapor barato, o hino da contracultura brasileira escrito por ele, musicado por Jards Macalé e tornado perene na voz de uma Gal fatal: “Oh, sim, eu estou tão cansado / Mas não pra dizer / Que eu tô indo embora”. Era o adeus ao honey baby.
"Waly sempre foi muito atuante. A presença dele já era performática. Ele pintava os lábios de vermelho e frequentava festas populares em Salvador, nos anos 1960. O cotidiano dele era um conjunto de performances”, lembra o professor Jomard Muniz de Britto, agitador cultural como o baiano. JMB dá um alerta sobre interpretações rápidas sobre a poesia de Waly: “Ele tinha uma poética muito elaborada, nada de ser uma coisa espontânea, aleatória. Tem muita erudição ali, uma transerudição, porque ele era representante de uma estética pop – ele usava isso para golpear a hierarquia entre a dita alta cultura e a cultura massificada”, defende.
 Foi através da música popular brasileira que a poesia de Waly foi melhor propagada. O rapaz manteve por aqui a resistência tropicalista, com o desbunde carioca, quando Gil e Caetano estavam exilados em Londres, em 1971. Ele fez Gal gritar por sua honey baby, pedir luz do sol e vestir a máscara do mal secreto no espetáculo Fa-Tal – Gal a todo vapor, concebido por ele. Com título inspirado em um de seus poemas, o protesto virou disco duplo repleto de fotos-poema do show. De Gal, ainda dirigiu o show Índia (1973) e os álbuns Bem bom (1985) e Plural (1990).
Depois de Maria Bethânia ganhar Anjo exterminado de presente para o discoDrama (1972), que virou subtítulo para a obra, Waly ainda nomearia outros álbuns da irmã de Caetano com canções que reverenciavam a abelha-rainha:Mel, Talismã e Alteza, entre 1979 e 1981. Adriana Calcanhotto e Cássia Eller também contaram com o poeta para letras, além de Caetano, Gil, João Bosco, Moraes Moreira, Roberta Miranda, Frejat e Itamar Assumpção.

Nas artes plásticas, a principal expressão de Waly foram os Babilaques, uma série de propostas visuais em que cadernos manuscritos eram abertos em uma certa página determinada pelo artista e fotografados em diversos ambientes inusitados, também escolhidos por ele. A influência do artista Hélio Oiticica, de quem Waly escreveu a biografia Qual é o parangolé?, está presente nos trabalhos (foi Oiticica quem apostou no livro de estreia de Waly, Me segura qu'eu vou dar um troço, e também diagramou).
Talvez a melhor definição para o multilegado deixado pelo poeta esteja nos versos de Waly Salomão, canção que Caetano lançou no disco , três anos após a morte do amigo: “Findaste o teu desenho/ e a tua marca sobre a terra resplandece/ resplandece nítida e real/ entre livros e os tambores do vigário geral/ e o brilho não é pequeno”.

Confira abaixo, na íntegra, o documentário Pan-cinema permanente, de Carlos Nader


JC

Nenhum comentário:

Postar um comentário