O Poeta, como se orgulhava de ser conhecido, escreveu vários livros e passou a ocupar a cadeira de número 14 da Academia Paraibana de Letras (APL) em 11 de março de 1994.
Ronaldo Cunha Lima escreveu um de seus poemas mais famosos, o Habeas Pinho, em uma situação inusitada em 1955 em Campina Grande. O poema, que virou petição na Justiça, nasceu depois que um grupo de boêmios, que fazia serenata, teve o violão apreendido pela polícia. Foi aí que os músicos recorreram ao advogado recém-formado que logo entrou com uma ação na Justiça para resgatar o instrumento musical. A ação foi escrita em forma de verso e ficou conhecida como Habeas
O ex-governador Ronaldo Cunha Lima deixa seu testamento em poesia
TESTAMENTO
Porque sentimentais, quase abstratos,
os meus bens a dispor em testamento,
às mulheres que amei nalgum momento
deixo os meus versos junto aos seus retratos.
Aos meus irmãos eu deixo os meus sapatos
mas que não andem, nem por pensamento,
os caminhos que andei seguindo o vento
nos rumos de meus gestos insensatos.
A cada amigo meu, uma oração.
Aos inimigos deixo o meu perdão,
perdão com que a mim me perdoei.
Aos meus filhos e netos, minha história,
para que guardem sempre na memória
o quanto pela vida eu os amei.
(*) A Glória, uma gaveta abarrotada de lembranças e saudades…
Ronaldo da Cunha Lima
Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa
O instrumento do "crime"que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.
Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.
O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.
O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão
Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.
Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.
O juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha LIma: o verso popular.
Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar á porta do Juiz.
Fonte: portal100fronteiras
Acho que a Academia Brasileira dos imortais não fez justiça ao deixar as portas fechadas para o muito que Ronaldo Cunha Lima escreveu. Imerecida o acesso que lhe foi "negado"
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