O compositor
Alfredo da Rocha Viana, o Pixinguinha, um dos gênios que contribuíram para
tornar a música expressão maior da cultura do país . Foto: Pedro de
Moraes/Divulgação
|
País de características multiculturais que se fundam já no século 16, quando da chegada de conquistadores europeus e, posteriormente, de africanos escravizados, nesses 513 anos de história vivida e narrada, o Brasil – com suas várias etnias e camadas sociais – experimentou diversas máscaras identitárias oficiais, uma vez que assumidas pela elite econômica e por seus governantes de então.
Sintetizado o percurso em saltos históricos, pode-se dizer que o país foi genocida em relação a nações indígenas que aqui habitavam; foi escravocrata; foi imperialista com povos de países vizinhos, matando milhares – como na Guerra do Paraguai – e anexando substanciosos nacos de terra ao seu já gigantesco território, caso do Acre, comprado à Bolívia; foi – continua sendo – explorado por outros países e por multinacionais em suas riquezas naturais; foi quase nazi-fascista na Segunda Guerra Mundial; foi desenvolvimentista com JK; encarou por 21 anos uma ditadura civil-militar; voltou à democracia em 1985.
Por baixo do tecido poroso dessa colcha de retalhos político-social, a vida das pessoas se organizou em conjunto de valores culturais e comportamentais marcados pelo tempo histórico, mas sempre um tanto à deriva dos discursos oficiais.
Mesmo perseguidos e massacrados, índios e negros continuaram a cantar e a dançar em seus “domínios”, mantendo vivas suas culturas e, dessa maneira, junto com portugueses e outros povos europeus (“brancos”), contribuíram para costurar a história e as particularidades da música no Brasil, popular e erudita – uma vez que compositores como Alberto Nepomuceno, Luciano Gallet, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Francisco Mignone, entre outros, utilizaram registros do folclore em suas obras.
No livro O mistério do samba (1995), Hermano Vianna afirma que a mestiçagem e a mistura de classes sociais e culturas musicais é antiga no país. Segundo ele, os primeiros registros mais claros começam com a invenção e popularização da modinha e do lundu, no final do século 18, quando o Brasil ainda era colônia portuguesa. Vianna informa que o viajante Thomas Lindley narra, em livro lançado em 1802, como eram as festas em Salvador, naquela virada de século: “... em algumas casas de gente mais fina ocorriam reuniões elegantes, concertos familiares, bailes e jogos de cartas. Durante os banquetes e depois da mesa bebia-se vinho de modo fora do comum, e nas festas maiores apareciam guitarras e violinos, começando a cantoria. Mas pouco durava a música dos brancos, deixando lugar à sedutora dança dos negros, misto de coreografia africana e fandangos espanhóis e portugueses”.
Na segunda metade do século 19, o maxixe e o choro ocuparam os dançares e os ouvires de parte dos brasileiros. Em paralelo, manifestações populares como a literatura de cordel, o coco, a ciranda e o maracatu se exerciam tanto no interior quanto no litoral das regiões Norte e Nordeste do país.
Atuante como instrumentista, compositora e regente, Chiquinha Gonzaga foi, nesse período, exemplo de artista-cidadã, tendo participação ativa na luta pela libertação dos escravizados, o que aconteceu em 1888, e também pela proclamação da República, ocorrida em 1889.
Em 1897, nasce Alfredo da Rocha Viana, o Pixinguinha. Bem cedo, já em 1911, participou de gravações como instrumentista e em 1915 teve uma música sua gravada, o tango Dominante. Em 1926, gravou pela primeira vez um choro de sua autoria, Tapa buraco. Um dos gigantes da música brasileira.
Na segunda década do século 20 surge Noel Rosa, gênio do samba urbano e da canção popular. Entre 1930 e 1937, quando faleceu aos 26 anos, criou obra vasta (259 composições) e de altíssima qualidade musical e poética, marcada pelo tom coloquial que ainda hoje é referência para os compositores de canções. Um atento e refinado cronista do cotidiano.
Da década de 1920 em diante, a tecnologia de gravação de discos e a difusão de músicas e canções em larga escala, por meio das rádios, fizeram com que a presença da música popular crescesse exponencialmente e se alojasse no inconsciente coletivo do país, unindo-se naquele momento a uma ideia de brasilidade mestiça defendida, entre outros, por Gilberto Freyre em seu Casa-grande & senzala (1933).
Tudo novo Tornado símbolo da identidade nacional, em fins dos anos 1950 o samba passaria por grande transformação de estilo. Sob o governo (1956-1961) de Juscelino Kubitschek de Oliveira, que em seu Plano de Metas prometera desenvolver o país “50 anos em 5” (construiu Brasília em apenas três), nascia a bossa nova, com a diferenciada e inaugural batida rítmica de violão de João Gilberto e as inspiradas canções de Tom Jobim, com letras criativas e metalinguísticas escritas por Newton Mendonça (“fotografei você na minha Rolleyflex/ revelou-se a sua enorme ingratidão”) e por Vinicius de Moraes, este trazendo o seu prestígio de poeta moderno e homem culto para a esfera da canção popular.
A bossa nova foi sucesso imediato, nacional e internacional, especialmente a partir do célebre concerto ocorrido no Carnegie Hall, em Nova York, em 21/11/1962. Foram muitos os artistas que subiram ao palco: Sérgio Mendes Sexteto, Carmen Costa, Bola Sete, Sérgio Ricardo, Anna Lucia, Oscar Castro Neves Quarteto, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, José Paulo, Milton Banana, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Caetano Zamma, Chico Feitosa, Normando Santos, João Gilberto e Tom Jobim. Foi gravado um LP registrando a histórica noite, mas, curiosamente, Tom Jobim, um dos expoentes do evento, ficou de fora dele. Chama atenção o fato de que Johnny Alf, Sylvia Telles, Maurício Einhorn, João Donato e o Tamba Trio, pioneiros da bossa nova, não tenham participado do concerto.
O novo mostrava ser fenômeno mundial. Nos anos 1940 e 1950 a Itália viu surgir e exportou os filmes e o estilo cinematográfico do Neorrealismo; nos anos 1950 e 1960, na França, foi a vez da nouvelle vague – influenciada pelo neorrealismo; no Brasil, nos anos 1950 e 1960, além da bossa nova (e não por acaso JK foi apelidado de “presidente bossa- nova”), havia o cinema novo – também influenciado pelo neorrealismo. Tudo era novo por aqui e o Brasil parecia caminhar para o destino de grande nação moderna e apaziguada consigo mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário