A solidão sempre acompanhou o filho de Lucinha e
João Araújo. Há 55 anos, no dia 4 de abril de 1958, ele veio ao mundo e,
ariano, tratou logo de ser único. Os planos do casal eram ter cinco filhos, mas
devido a complicações no parto de Agenor de Araújo Neto (Cazuza desde a barriga
da mãe), Lucinha não pôde mais engravidar. O músico, então, cresceu sem irmãos e
deu trabalho por todos eles. Foi expulso da escola de elite por fumar maconha
no corredor, constantemente necessitava da ajuda do pai para livrá-lo de
prisões decorrentes de sua vida abusiva, escrevia poemas de amor para meninos.
Era sozinho também em seu universo. “(Cazuza) tinha
uns 15 anos quando percebi que ele tinha uma cabeça diferente da minha, do pai,
da humanidade inteira. Quando notei, levei um susto. [...] Parei, refleti e
entendi que era melhor parar de bater a cabeça e entender a situação. Ainda bem
que eu tive essa serenidade. Porque ele era uma pessoa espetacular”, disse
Lucinha em entrevista à Revista TMP, de agosto de 2003.
Foi ainda solo que ele preferiu seguir quando o
grupo Barão Vermelho estava no auge. Cazuza entrou para a banda de rock por
indicação de Leo Jaime, em 1981. Embora convivesse com a música desde criança
(o pai era dono da Som Livre), havia acabado de se descobrir cantor, em uma
peça do grupo de teatro que integrava. A estreia do Barão aconteceu em um
condomínio na barra na Tijuca. Cazuza estava de porre, com a braguilha aberta,
mas agradou.
Um dia, Ezequiel Neves ouviu uma fita de uma
apresentação do Barão e achou incrível. Levou para Guto Graça Mello e os dois
lutaram para convencer o pai de Cazuza a lançar. Gravado em dois dias, “Barão
Vermelho” (1982) não estourou, mas Caetano Veloso incluiu “Todo amor que houver
nessa vida” em seu show. De 1983, “Barão Vermelho 2” trouxe “Pro dia nascer
feliz”, regravada por Ney Matogrosso. Finalmente, o grupo foi chamado para
compor a trilha sonora do longa-metragem “Bete Balanço”, de Lael Rodrigues,
datado de 1984. “Maior abandonado”, lançado na crista do sucesso do filme,
conquistou disco de ouro.
Durante os ensaios para o quarto álbum, Cazuza
anunciou sua saída do grupo - ele sentia falta de cantar samba, bossa e MPB; já
os amigos não queriam largar o rock. O poeta estava, mais uma vez, isolado.
Brincou que era estrela demais para dividir as atenções com uma banda. “Eu
devia ganhar para ser carente profissional”, lembrou. E se debruçou em
“Exagerado”, de 1985.
Em seguida, veio “Só se for a dois”. Ambos
agradaram crítica e público e mostraram um Cazuza mais romântico e sarcástico -
“por isso, triste”, diria ele a Denise na missiva supracitada.
Em 1986, Cazuza percebia que algo não ia bem. “Tenho sentido muito medo. Medo de voar, de entrar no palco, de amar, de morrer e de ser feliz. Medo de fazer análise e não ter mais problemas e perder a inspiração”, escreveu à amiga.
Em 1986, Cazuza percebia que algo não ia bem. “Tenho sentido muito medo. Medo de voar, de entrar no palco, de amar, de morrer e de ser feliz. Medo de fazer análise e não ter mais problemas e perder a inspiração”, escreveu à amiga.
O medo ele
afastou com crises de ódio depois que foi diagnosticado com AIDS. Mas sobre a
inspiração ele estava certo. Foi ali, com a cabeça a mil, entre internações em
Boston, maços de cigarro e copos de uísque, que ele compôs suas músicas mais
profundas. Elas deram origem a dois trabalhos. “Ideologia” (1988) e “Burguesia”
(1989). Este último, é duplo - para os amigos era compor que mantia Cazuza
vivo.
Uma das últimas
composições registradas por ele foi “Azul e Amarelo”, em parceria com o amigo
Lobão. Na música, ele pega versos emprestados de Cartola - um de seus grandes
ídolos, que também se chamava Agenor. “Tô pronto para ir ao teu encontro/ Mas
não quero, não vou, não quero”, cantava, decidido por viver. As letras de seus
últimos anos de vida abordam bastante a AIDS. Desde que ele decidiu revelar ao
mundo a sua doença - após uma conversa com a jornalista Marília Gabriela, que
disse que esconder não condizia com sua personalidade de roqueiro desbocado -
nunca mais deixou de falar dela.
O último show
de Cazuza foi no Recife, em 24 de janeiro de 1989. Na apresentação, ele brigou
com a plateia, sussurrou músicas no lugar de cantá-las. Repetia uma atitude
agressiva que já vinha demonstrando em espetáculos anteriores, em que tirou as
calças, estando sem nada por baixo, e gritou palavrões para os fãs. Mais tarde,
declarou que havia feito aquilo de propósito - não queria ser tão amado nem que
as pessoas sentissem pena dele. Definitivamente, a revista Veja não sentiu.
Em abril
daquele ano, ela publicou a fatídica capa em que Cazuza fala sobre a AIDS -
muitos comentam que o cantor piorou consideravelmente após ver no que resultou
a entrevista dada a Angela Abreu e Alessandro Porro. Na publicação, além de
alardear que o astro “agonizava em público”, afirma-se: “Cazuza não é um gênio
da música. É até discutível se sua obra irá perdurar, de tão colada que está ao
momento presente”. O erro não poderia ser maior. Após 55 anos do seu nascimento
e 23 de sua morte (no dia 7 de julho de 1990), ele continua lembrado na Terra -
sem a necessidade de filhos ou fazendas.
Ingrid Melo, da Folha de Pernambuco
Ingrid Melo, da Folha de Pernambuco
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