Com a abertura
dos portos às nações amigas pelo Príncipe Dom João, em 1808, o Recife, que
segundo Henry Koster possuía uma população de cerca de 5 mil habitantes,
veio a se tornar o porto de maior movimento comercial da colônia, chegando a
exportar no ano seguinte 12.801 caixas de açúcar. Os altos preços obtidos
por este produto, que em 1817 atingiu a quantia de 17 francos a arroba, e pelo
algodão, “então com um aumento de 500 por cento”, fez surgir na província
grandes fortunas e um maior intercâmbio com os Estados Unidos e a Europa.
É desta época
o aparecimento dos primeiros pianos em Pernambuco, segundo depreende-se de
depoimentos de viajantes, dentre os quais o próprio Henry Koster que conta ter
dançado em Olinda, precisamente numa noite de agosto de 1810, ao som de um
piano na casa de um padre professor do Seminário de Olinda: “Dançamos ao som do
piano, tocado por um dos professores [de música?] com tal bom humor que só se
deteve quando os próprios dançarinos lhe pediram para parar” (¹)
Anotou ainda, o mesmo autor, a existência de um piano no conjunto musical que
animava o novenário da festa de Nossa Senhora da Saúde do Poço da Panela
(Recife), em janeiro de 1810:
Consistia num piano, tocado pela senhora de um negociante, numa viola e
nalguns instrumentos de sopro tocados por pessoas respeitáveis. A música vocal
foi executada pelas mesmas pessoas, auxiliados por alguns mulatos escravos da
senhora. Fiquei um tanto surpreendido pelo tom de danças e de marchas
fortuitamente introduzido nessas composições. “No dia da festa vieram músicos
profissionais e à noite queimaram um fogo-de-vista”.
Surgia assim uma
sociedade com gostos musicais, não só nas casas de famílias da cidade como nos
engenhos de açúcar, onde o mesmo autor confirma a presença de uma espécie de
banda de música composta por escravos executantes de charamelas, gaitas de
foles e outros instrumentos, que tocava à mesa e nos divertimentos da família.
Muito embora a
confirmação da existência de bandas militares na segunda metade do século
XVIII, em Pernambuco, essas corporações vieram a gozar de mais prestigio, no
Brasil, a partir da chegada do Príncipe D. João com a corte portuguesa ao Rio
de Janeiro, em 1808, segundo observa o historiador José Ramos Tinhorão (²)
:
Na verdade quando o Príncipe Regente desembarcou no dia 6 de março de
1808, no Rio de Janeiro, vindo da Bahia, o cronista Luiz Gonçalves dos Santos,
o Padre Perereca – que relataria todos os lances da chegada em sua Memória para
servir à História do Brasil – não encontrou bandas para citar, declarando
apenas ter ouvido “alegres repiques de sinos, e os sons dos tambores, e dos
instrumentos músicos, misturados com o estrondo das salvas, estépidos de
foguetes e aplausos do povo”.
A existência
de uma banda naquele dia festivo não teria escapado ao minucioso Padre Perereca,
pois, dez anos mais tarde, em 1818, quando o mesmo Príncipe D. João foi
aclamado Rei com o título de D. João VI, não esqueceria de anotar a presença de
“uma numerosa banda de música dos regimentos da guarnição da Corte”. Assunto
que voltava adiante, ao descrever o desfile militar realizado na ocasião:
“outra banda de música fechava esta cavalgata, após a qual se seguia uma
companhia de cavalaria da Real Guarda da Polícia, comandada por um capitão e
dois subalternos, igualmente em grande uniforme”.
Enquanto o Rio
de Janeiro não apresentava uma banda musical por ocasião da chegada da família
real, em 1808, em Pernambuco todos os regimentos militares, sediados no Recife
e em Olinda, possuíam seus grupamentos de músicos. Em 1817 o Governo Provisório
da República de Pernambuco, proclamada em 6 de março daquele ano, “atribuía uma
gratificação de cinquenta réis diários, sobre o soldo de cem réis de
soldado infante que percebiam os da banda dos corpos de linha”. (³)
Essas mesmas
bandas, quando das execuções por enforcamento ou espingardeamento dos patriotas, envolvidos
naquele movimento revolucionário de caráter republicano, acompanhava os hinos
realistas e os cânticos de regozijo pela morte daqueles mártires da pátria.
Ainda naquele ano, por ocasião do embarque de 800 soldados republicanos,
enviados aos cárceres da Bahia, essas mesmas bandas acompanharam o cortejo do
forte das Cinco Pontas ao porto do Recife.
A estada da
família real portuguesa no Rio de Janeiro, porém, tornou rotineiros os
concertos realizados pelas bandas militares, como por ocasião da cerimônia do
beija-mão (audiência) do Príncipe D. João, “todas às noites entre oito e nove horas, exceção feita dos domingos e
dias santificados” (4) .
É desta época
a presença no Rio de Janeiro da banda alemã, trazida da Áustria na comitiva da princesa
Carolina Josepha Leopoldina, filha do imperador Francisco II, da Alemanha e da
Áustria, quando do seu casamento com o Príncipe D. Pedro em 1817. Herdeiro
trono português, o príncipe veio a ser o primeiro imperador do Brasil, com o
título de D. Pedro I, e Rei de Portugal, com o título de D. Pedro IV. Sobre
aquele tal cenário, é de Oliveira Lima o comentário(5) :
A inclinação musical não era só poderosa no Brasil entre a gente de
educação: ela denunciava-se, sem artifícios nem preparos na característica e
espontânea música popular. O que faltava era apenas escola. Ao próprio padre
José Maurício e a outros talentos brasileiros do gênero foi muito útil, ao que
se afirma, o influxo da banda alemã que ficou com a princesa real e ajudou a
formar entre nós o bom gosto e o estilo musicais, determinando a prática
inteligente e sábia sem a qual se extraviam numerosas vocações profissionais.
Os primórdios
das bandas militares em Pernambuco nos é revelado por Pereira da Costa(6), ao
transcrever trecho do ofício do brigadeiro José Correia de Melo, comandante das
Armas da Província, datado de 15 de novembro de 1822, dirigido à Junta do
Governo informando a pretensão de Francisco Januário Tenório, “pernambucano,
músico e compositor de merecimento”, primeiro mestre de banda de música que se
tem notícia:
Assentou praça em 27 de maio de 1793 no Regimento de Olinda, onde
organizou e ensaiou uma classe de música, que compôs a banda do Regimento e
depois organizou uma outra para o Regimento de Artilharia. Em 1810 passou por
contrato e praça a mestre da Banda do Regimento do Recife e serviu até 1817.
Neste ano foi nomeado, pelo general Luís do Rego, mestre da música da Divisão
que com ele viera do Rio de Janeiro, mediante a gratificação mensal de 24$000
[vinte e quatro mil réis]. Por ordem do mesmo general, organizou as músicas do
1º e do 2º Batalhões de Milícias de segunda linha, ensinando e compondo músicas
para as mesmas bandas, e depois passou a servir no 3º Batalhão de Caçadores,
incumbido de igual trabalho, assim como no 2º , em idênticas condições.
Em 1821 obteve baixa, mas no ano seguinte, por não haver outro músico
na província que pudesse tomar sobre si a tarefa de ensinar, organizar e compor
para todos os corpos as marchas e mais músicas necessárias para as bandas dos
mesmos corpos assentou praça de novo no 2º Batalhão de Caçadores, mediante a
gratificação de 11$000 [onze mil réis] além do soldo de 290 réis; mas sendo
mudado o comandante, viu-se somente com o soldo de 100 réis, pelo que deu a sua
demissão.
Segundo a
mesma fonte, o peticionário requeria, “em atenção aos seus serviços, que lhe
mandasse dar praça em qualquer corpo com a antiga gratificação de 24$000 e o
soldo conveniente, assim como o lugar de Mestre Geral de todas as Músicas
[bandas militares] da Província”.
Sobre o
requerimento do mestre Francisco Januário Tenório, acrescenta Pereira da Costa:
“cremos, porém que o seu requerimento não foi encaminhado para a Corte,
porquanto o encontramos na Secretaria do Governo junto ao referido ofício de
informação do general Comandante das Armas, em que diz ainda – ‘ser verdade
tudo o que o suplicante alega, e muito digno da graça requerida”.
O padre Jaime
Cavalcanti Diniz, autor de vários trabalhos sobre a História da Música no
Brasil, no terceiro tomo de sua obra Músicos
pernambucanos do passado (7),
traz preciosos informes sobre este primeiro mestre das bandas militares em
Pernambuco. Informa que Francisco Januário Tenório ingressou na Irmandade de
Santa Cecília da Vila do Recife, fundada em 1789 na igreja de São Pedro dos
Clérigos, sodalício que congregava os músicos profissionais, em seis de
novembro de 1793, sendo eleito mordomo no ano seguinte e participado por anos
seguidos da mesa regedora. Até 1830 estava em atividade, como escrivão daquela
irmandade, devendo ter falecido entre 1831 e 1837. Entre 1818-19 compôs uma Missa Solene para a
Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Recife, recebendo por seu trabalho a
quantia de 12$800 [doze mil e oitocentos réis], segundo recibo por ele assinado
e datado de 12 de junho de 1819. A ele é suposta a autoria de um Tratado de Contraponto,
hoje desaparecido, atribuindo o padre Jaime Diniz a hipótese de ele ter sido
aluno de Luiz Álvares Pinto (1719-1789), grande mestre da música, autor da peça
erudita Te Deum Laudamus e do manuscrito Arte de Solfejar (1761); cuja primeira
edição foi publicada pelo autor destas notas em 1977.
A banda marcial montada em Pernambuco data de 1822,
quando aqui se encontravam sediadas duas companhias de cavalaria com as suas
respectivas fanfarras.
Em 1824, por
portaria de 30 de abril, ordenou o Governo da Província à Junta da Fazenda a
importação da França de dois instrumentais completos para as bandas militares e
uma coleção de partituras, para inclusão nos respectivos repertórios. Nas
oficinas do Arsenal de Guerra e do Trem Militar instalaram-se, por esta época,
oficinas de conserto de instrumentos musicais.
___________________
1)
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil.. Tradução de Luís da Câmara Cascudo. Recife: SEC;
Departamento de Cultura, 1978. (Coleção Pernambucana, 1ª fase; v. 17) il. p.
49.
2) TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira.
p. 139-140. Lisboa: Editorial Caminho, 1990. 328 p.
3) COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos op. cit. v. 7 p.
121.
4) LIMA, Manoel de
Oliveira. D. João VI no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p.
614.
5) LIMA, Manoel de Oliveira. D. João VI no Brasil. op. cit.
6) COSTA, F. A. Pereira
da. Anais Pernambucanos. v. 7 p. 121. op. cit.
7) DINIZ, Jaime Cavalcanti Diniz. Músicos pernambucanos do passado . 3
v. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1979.p. 48-51.
Esquina – Leonardo Dantas Silva
JORNAL BESTA FUBANA
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