Coletânea, editada pela Global, reúne a obra poética do autor de Casa-grande & senzala, considerada irregular por pesquisadores
As
diversas facetas do pernambucano Gilberto Freyre são parte de sua fama: mais do
que um sociólogo cientificista, ele prezava pela multiplicidade de sua atuação.
Flertava com a antropologia e a história, chegou a criar uma ciência, a
tropicologia, pintava quadros e gostava de escrever ensaios, mais do que
artigos. Mas, na verdade, não se contentava com nenhum desses espaços. Ao
definir sua atuação, dizia que todas essas atividades “são em mim ancilares do
escritor”.
Um
lado menos conhecido do autor de Casa grande & senzala, obra
que completa 80 anos em dezembro deste ano, é sua produção poética, o lado mais
radical da sua fascinação pela escrita. Em Talvez poesia (Global,
208 páginas, R$ 42), livro lançado em 1962 e agora reeditado com os acréscimos
dos versos de Poesia reunida e dois poemas inéditos, o Freyre
mais desavergonhadamente literário, para além da sua prosa poética, se
apresenta.
Na
verdade, o título, escolhido pelo próprio Freyre, é uma tentativa de evidenciar
um caráter dos versos do autor. A maioria dos poemas do livro foi composto em
formato de prosa dentro das obras do sociólogo pernambucano e, só depois,
construída com ajuda dos amigos Ledo Ivo e Mauro Mota como versos. Por isso, na
nota do autor, Freyre fala que adotou o talvez “mais por prudência que por
modéstia”.
O
poeta pernambucano Manuel Bandeira discordava do cuidado do amigo. “Talvez
poesia? Não: certamente poesia”, escreveu no ensaio Gilberto Freyre
poeta (Lêdo Ivo, no prefácio da obra, também faria a brincadeira,
respondendo que um bom título seria Decerto poesia). A questão é
que, a despeito do valor apontado por nomes como Bandeira, Ivo e Mauro Mota na
poesia de Freyre, a reedição de Talvez poesia – antes, a
primeira edição era uma raridade em sebos – mostra também a inconstância dessa
parte da sua produção.
Um dos mais dedicados freyrianos, o bibliotecário Edson Nery da Fonseca já apontou que a maioria dos textos presentes na obra são “inexpressivos”. “Paradoxalmente, ficaram apoéticos depois de reduzidos a versos”, vaticina.
O
professor do Programa de Pós-Graduação de Letras da UFPE, Anco Márcio Tenório,
concorda. “A poesia na obra de Freyre é uma produção secundária e esparsa, com
alguns momentos muito bons e outros sofríveis. Suscita curiosidade antes porque
é escrita por Gilberto Freyre do que pela particularidade da sua sintaxe, pela
renovação que ela traz ao campo da linguagem literária”, aponta.
A
escritora, antropóloga e estudiosa da obra de Freyre, Fátima Quintas concorda
com a visão. “Poderíamos fazer uma analogia entre a poesia e a pintura dele. As
duas são os momentos mais inconstantes da obra dele. Ele nunca se considerou
pintor ou poeta. Essas atividades são desdobramentos, canais de liberação e
elementos de uma obra maior”, opina.
Se
a poesia de Freyre tem seus momentos de fraqueza, é nos elementos poéticos da
sua prosa que o autor se inovou. Elementos como o imagismo e o expressionismo,
explica Anco, estão ali melhor encaixados. A poesia, no entanto, muitas vezes
“cede ao teórico, ao seu discurso”. “Ou seja, ao invés de se ater ao como
dizer, ele está preocupado com o dizer”, defende o pesquisador. “Assim, Freyre
muitas vezes não faz da poesia uma revelação, um momento de espanto, como fazem
os bons poetas, ele apenas diz, tentando persuadir, fazendo da sua poesia uma
extensão do seu projeto intelectual”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário