domingo, 24 de março de 2013

CULTURA / LITERATURA: Livro mostra a talvez poesia de Gilberto Freyre

 Coletânea, editada pela Global, reúne a obra poética do autor de Casa-grande & senzala, considerada irregular por pesquisadores


Gilberto Freyre era um apaixonado por literatura e se definia não como sociólogo, mas como escritor / Reprodução

As diversas facetas do pernambucano Gilberto Freyre são parte de sua fama: mais do que um sociólogo cientificista, ele prezava pela multiplicidade de sua atuação. Flertava com a antropologia e a história, chegou a criar uma ciência, a tropicologia, pintava quadros e gostava de escrever ensaios, mais do que artigos. Mas, na verdade, não se contentava com nenhum desses espaços. Ao definir sua atuação, dizia que todas essas atividades “são em mim ancilares do escritor”.
Um lado menos conhecido do autor de Casa grande & senzala, obra que completa 80 anos em dezembro deste ano, é sua produção poética, o lado mais radical da sua fascinação pela escrita. Em Talvez poesia (Global, 208 páginas, R$ 42), livro lançado em 1962 e agora reeditado com os acréscimos dos versos de Poesia reunida e dois poemas inéditos, o Freyre mais desavergonhadamente literário, para além da sua prosa poética, se apresenta.
Na verdade, o título, escolhido pelo próprio Freyre, é uma tentativa de evidenciar um caráter dos versos do autor. A maioria dos poemas do livro foi composto em formato de prosa dentro das obras do sociólogo pernambucano e, só depois, construída com ajuda dos amigos Ledo Ivo e Mauro Mota como versos. Por isso, na nota do autor, Freyre fala que adotou o talvez “mais por prudência que por modéstia”.
O poeta pernambucano Manuel Bandeira discordava do cuidado do amigo. “Talvez poesia? Não: certamente poesia”, escreveu no ensaio Gilberto Freyre poeta (Lêdo Ivo, no prefácio da obra, também faria a brincadeira, respondendo que um bom título seria Decerto poesia). A questão é que, a despeito do valor apontado por nomes como Bandeira, Ivo e Mauro Mota na poesia de Freyre, a reedição de Talvez poesia – antes, a primeira edição era uma raridade em sebos – mostra também a inconstância dessa parte da sua produção.

                                                                                                                                     

Gilberto Freyre

Um dos mais dedicados freyrianos, o bibliotecário Edson Nery da Fonseca já apontou que a maioria dos textos presentes na obra são “inexpressivos”. “Paradoxalmente, ficaram apoéticos depois de reduzidos a versos”, vaticina.
O professor do Programa de Pós-Graduação de Letras da UFPE, Anco Márcio Tenório, concorda. “A poesia na obra de Freyre é uma produção secundária e esparsa, com alguns momentos muito bons e outros sofríveis. Suscita curiosidade antes porque é escrita por Gilberto Freyre do que pela particularidade da sua sintaxe, pela renovação que ela traz ao campo da linguagem literária”, aponta.
A escritora, antropóloga e estudiosa da obra de Freyre, Fátima Quintas concorda com a visão. “Poderíamos fazer uma analogia entre a poesia e a pintura dele. As duas são os momentos mais inconstantes da obra dele. Ele nunca se considerou pintor ou poeta. Essas atividades são desdobramentos, canais de liberação e elementos de uma obra maior”, opina.
Se a poesia de Freyre tem seus momentos de fraqueza, é nos elementos poéticos da sua prosa que o autor se inovou. Elementos como o imagismo e o expressionismo, explica Anco, estão ali melhor encaixados. A poesia, no entanto, muitas vezes “cede ao teórico, ao seu discurso”. “Ou seja, ao invés de se ater ao como dizer, ele está preocupado com o dizer”, defende o pesquisador. “Assim, Freyre muitas vezes não faz da poesia uma revelação, um momento de espanto, como fazem os bons poetas, ele apenas diz, tentando persuadir, fazendo da sua poesia uma extensão do seu projeto intelectual”.

Diogo Guedes / JC

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