Durante encontro em Quixeramobim, Geraldo Amâncio, Bruno Paulino e
Guilherme Nobre dimensionaram a potência do fazer artístico em voz e verso
Cordelistas e repentistas se juntaram na primeira edição da Mostra Sesc de Cultura Sertão Central, em Quixeramobim
FOTO: JR. PANELA
A escuta atenta
do público reunido na Praça
da Matriz de Quixeramobim, na noite da última sexta-feira (26),
não negou: o cordel e o repente continuam
vivíssimos e são capazes de arrastar multidões. Duas das linguagens mais
tradicionais da cultura popular cearense ganharam destaque na programação da
primeira edição da Mostra Sesc de Culturas Sertão Central, estreitando os laços
com nossas raízes em voz e verso e pondo, em diálogo, diferentes gerações de
poetas, cantadores e repentistas.
Nesse movimento,
o Diário do Nordeste reuniu três representantes de distintas idades e trabalhos
no segmento com vistas a bradar a relevância desse fazer artístico milenar.
Mestre da Cultura e um dos mais importantes nomes na seara, o cantador,
violeiro, poeta e escritor Geraldo
Amâncio comentou sobre como o cordel e a cantoria –
atividade esta que exerce há 55 anos – chegam às novas gerações. “Vejo que
estamos em uma boa fase”,
analisou.
“Como sou bem
antigo, conheci o cordel num momento apagado, em que se produzia pouco ou com
menor alcance. Depois, começaram a surgir grandes talentos, como Bruno Paulino,
Klévisson Viana e Arievaldo Viana, que mudaram essa história, estão levando-a
pra frente. Junto com isso, a própria cantoria avançou. Nos anos 1950, ela não
foi essas coisas todas, mas apareceram artistas que urbanizaram essa arte e a
fizeram ganhar novas praças”, completou.
Conforme Amâncio, a cantoria, há um século, só existia no contexto
interiorano, campestre. A partir do êxodo rural observado no território cearense
em diferentes épocas da história, a viola acompanhou o povo e culminou em novas
maneiras de ressignificar o ato. “Modéstia à parte, até contribuí uma porção,
já que, até então, não existia cantoria na televisão e, durante 19 anos, fiz
com que ela ganhasse as casas. Quando as janelas da mídia e das pessoas se
abrem, especialmente para a cultura popular, é uma bênção”.
SERTÃO E SENTIMENTO
Citado na fala de Geraldo, Bruno
Paulino – natural de Quixeramobim e um dos mais ativos
fomentadores da arte tradicional cearense na literatura, a partir da autoria e
organização de diversos livros na área – observou que o sertão não é mais
apenas uma geografia.
“Geraldo tem razão ao dizer que o cordel vive uma boa fase. Ele se
transforma. Deixa de estar só naquele formatinho comum, de folheto, do A4
dobrado, e passa a estar nos livros. Hoje
ele é impresso, tem uma diagramação interessante, com propostas
de ilustração para além da xilogravura, e isso abre novas perspectivas sobre os
trabalhos. Torna o contexto sertanejo mais que uma zona geográfica, mas
efetivamente um sentimento”.
Ao mesmo tempo, considerou que há aqueles que ainda resistem às
formas mais tradicionais de se produzir
cordel, o que é igualmente importante para estreitar a conexão
com o que está sendo feito no contexto contemporâneo.
Por sua vez, ao rememorar o fato de o cordel ter sido recentemente
recebido o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do
Patrimônio Artístico e Nacional (Iphan), em setembro do ano passado, Bruno
ponderou algumas questões.
“Isso às vezes é perigoso. Sei que o título é honroso, mas
não sei se os cordelistas querem. A efeito de burocracia, vamos pensar: existe
um formato real do cordel? Quem pode ser contemplado, por exemplo, num projeto
do governo federal? É um cordel que é ilustrado, feito com xilogravuras ou
saído por uma editora? Tudo
isso pode ser refletido a partir desse título. Ele já aceita
essa dinâmica plural dessa arte?”.
FOMENTO
Com apenas 18 anos, o cantador urbano Guilherme
Nobre, ao pertencer à nova safra de artistas da região no
segmento, destaca a necessidade de observar as manifestações tradicionais da
cultura cearense sob outro ângulo.
“Esse movimento em Quixeramobim foi fantástico para a gente
mostrar que a cantoria não é uma coisa simples ou sonolenta: é algo que pode
envolver o público, a partir da cultura
popular e do improviso de uma arte milenar. Todo mundo cantou,
participou, aplaudiu, e isso para a gente é uma felicidade, para mostrar que a
arte está continuando com toda a força”, comemorou.
Ele, que despertou para o trabalho no ramo assistindo aos
programas em que Geraldo Amâncio participava, também percebe a necessidade de
unir as duas pontas: novos e antigos fazedores artísticos em franca dinâmica de
mergulho. “Passei a me encaixar nesse meio até me profissionalizar e sigo
aprendendo bastante com quem me deu a base para começar”.
DIÁRIO DO NORDESTE (diariodonordeste.verdesmares.com.br)
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