
Foto do Arquivo / Templo Cultural Delfos
É um rosto tombado, é um sorriso
Que divisa a montanha além do cântico;
Umas águas escuras; e é seu pânico
Refluindo-as na beira do infinito.
Duas faixas de sombra e de granito
Rodeavam-lhe a fronte, e ocultavam
O segredo do nome que ostentava
Em sua testa. É um véu, era uma névoa
Eue nascia do chão, vinha da selva
De onde emergem os búfalos, e escarvam.
É uma face que toca o remoinho
De além-praias, gargalo dos abismos,
Boca funda que sorve, mó dos sismos,
E essa face sorri ao torvelinho.
Vê-se inscrita nas águas, que são vinte,
Que são mil, que são muitas, que são rios;
Vê-se a si, vê-se a ver quem vê quem viu os
Semi-espectros imersos nessas águas...
Vem voltando, trazendo, redes, algas,
Hipocampos, seus olhos, o Vazio.
É uma cara que volta-se aos espaços
Onde a vida não vai; que o verbo alcança;
E aguça esta sede, e incita a ânsia
De saber os porões desses palácios.
E percorre os salões, e cruza os paços,
E perquire as alcovas e as ameias;
Nada encontra: as aranhas medem teias
De infalível desenho sem desígnio;
E esse rosto, um deserto todo escrito
Pelo impacto da luz de tanta estrela.
E essa mão sempre cheia de serpentes
Que me invade a visão, e me oferece
Na mudez de uma dádiva, uma espécie
De ameaça sustida, agouro pênsil?
Ah, meus olhos, reabram-se, reinventem
O vazio de antigos sonos cegos,
Sem temer a vertigem desse pego
Sem temer a vertigem desse pego
Que parece chamar meu desespero;
Mas não vejam a mão com seus capelos,
Cascavéis e urutus vindos dos brejos.
E esta voz, que sustenta seus castelos
No mais vão dos precários equilíbrios?
E a minha? E o ar, sou eu que o vibro,
E ao calar-me, palácios desmantelo?
Essa voz insinua um evangelho
Ou apenas renega os já sabidos?
Despedaça o silêncio e seus cem vidros
Sem vidência, sem chaves e sem senhas?
Não faz nada, essa voz? Só toca o vento?
Toca outra razão? Outro sentido?
Mesmo após findo o corpo, fica o rastro?
Mesmo após o fracasso, fica um eco?
Na memória dos dias, rola o século,
E só fica o que vai no seu arrasto?
Ou o que resta? O que escrevo, e me deslastro,
É o que escapa, ou o que o tempo submerge?
Já que o ser é canção, quem o concebe?
Quem recebe seus grãos? Quem os replanta,
Quem os colhe, e os recolhe? Quem o canta?
Em que plano o que é fluxo permanece?
"A poesia de Bráulio
Tavares funda raízes numa mescla criativa de fontes em que dialogam a tradição
do cancioneiro popular, nos ritmos despachados, líricos e melódicos do repente
e do cordel, a pulsação desencontrada e irreverente da dicção contracultural e
os arrepios formais da erudição e da vanguarda".
Hildeberto Barbosa Filho, critico e poeta
paraibano.
Fonte: Antônio Miranda
Nenhum comentário:
Postar um comentário