Enfrentando as procelas do viver,
Subi ondas difíceis de vencer
Fui envolto na fúria de um tufão.
Conduzi minha forte embarcação
Em gargantas de rochas perigosas,
E passei por cavernas tenebrosas
Ocultadas nas brechas dum lajedo
Escondendo do mundo seu segredo,
Entre nuvens de formas vaporosas.
Pra um descanso da longa odisseia,
E escutei os sutis sons da ideia
Num confronto de vates na peleja.
Eram deuses em frente da bandeja
Com violas fazendo cantoria,
Num oráculo coberto de poesia,
Que guiava com sábio mandamento
O meu barco no mar do sentimento,
Sobre as águas da longa travessia.
A coragem dos bravos cavaleiros,
Penetrando em fechados marmeleiros
Pra jogar os seus laços com ensejos.
Eram homens-heróis fazendo arpejos,
Semideuses com seu gibão de couro,
Que enfrentavam a fúria de um touro
Sem temer grandes chifres amolados,
Dando saltos nas cercas dos roçados
Que seus cascos brilhavam como ouro.
Enfrentei nas cavernas montanhosas
As ferozes panteras, de uma vez,
Com espada, coragem e altivez,
Minhas lutas foram vitoriosas.
Eu olhei das escarpas pedregosas
O sertão com seus grandes oceanos;
Levantei minha âncora e fiz planos
Pra levar as sementes da poesia
E plantá-las nas margens da alegria,
Derrotando os terríveis desenganos.
Com a força e coragem de um Sansão,
Dando saltos, de espada sobre a mão,
Enfiando-a nas brechas dos seus dentes.
Eu lutei contras as feras mais valentes
Sem jamais recuar frente aos perigos;
Nem temer dos tiranos os castigos,
Que com fúria fechavam os caminhos
Me jogando em confusos remoinhos
Tendo os ventos somente como abrigos.
Na caatinga fechada do sertão
Com perneira, espora e um gibão,
E brilhantes estrelas no chapéu.
Vi as nuvens correndo sob o céu
Num crepúsculo de cor avermelhada,
Parecendo uma rápida boiada
Procurando um curral na imensidão,
Pra deitar-se na cama da amplidão
E acordar com o vaqueiro da alvorada.
Que nem Dante deu passos com Virgílio,
Vi pedintes suplicando um auxílio
Num lamento cruel e lastimoso.
Percebi que não tinha criminoso;
Eram vitimas no mar do abandono,
De governo que tem homens no trono,
Aumentando a miséria dos famintos
Transformando o viver em absintos,
Onde a vida é um fel de desengano
No império do mundo sertanejo,
Que divide a comida sem ter pejo
Sob o teto das lânguidas casinhas.
Vi meninas cobertas de florinhas
Parecendo belíssimas princesas,
Exalando as mais puras gentilezas
Num reinado com flores de bondade,
Me mostrando a sutil fraternidade
Praticada com mil delicadezas.
Num roçado plantando lindos sonhos,
Entoando os sutis cantos risonhos
Numa lírica e plácida canção.
Tinha um lírio enfeitando cada mão,
E nos lábios o brilho dum sorriso;
Era o mundo mostrando o paraíso
Na figura mais pura da inocência
Onde a flor que habitava a consciência,
Exalava o seu néctar preciso.
Sertanejas com ares sedutores,
Com olhares cobertos de fulgores
Dando passos suaves e maneiros.
Eu senti os seus hálitos faceiros
Envolver-me com mágica leveza,
Eram encantos da própria natureza
Seduzindo meus loucos devaneios,
De caboclas que tinham lindos seios
Com feitiços de plácida beleza.
No sertão do nordeste brasileiro;
Foi usando o veloz barco-vaqueiro
Que eu passei por insólitos lugares.
Visitei os difíceis patamares
E os abismos que têm na imensidão;
Vi fantasmas cruéis da solidão
Como nuvens pesando sobre mim,
Que eu pensei que seria o meu fim
Na odisseia longínqua do sertão.
Eu voltei pro meu canto pequenino,
O lugar dos meus tempos de menino
Onde a vida era plumas de acalantos.
Retornei conduzindo n’alma encantos,
E também os pavores de outros mundos;
Vi a dor castigando os moribundos,
Vi princesas, serpentes, mil panteras,
Cantadores, vaqueiros, grandes feras,
Que tocaram meus mares mais profundos.
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