CONFISSÃO DE CABÔCO – Zé da Luz
Sou criminoso de morte.
Tou aqui pra mim intregá.
Voimicê fique sabendo:
– Quando a muié traz a sorte
De atraiçoá o isposo
Só presta para se matá.
Qui a mão nêga do distino,
Merguiasse as minhas mão
No sangue dos assarcino!
Ante de vossamercê
Mim butá daqui pra fora:
– É a licença do doutô
Pr’eu li contá minha histora.
Digo a vossa sinhuria
Qui inté onte fui casado
Cum a muié qui im vida
Se chamô ROSA MARIA.
Faz oito qui fumo noivo
Faz sete qui nós casêmo.
Cuma pobre, é verdade,
Mas a gente se sentia
Rico de filicidade!
No lugá Chã da Cutia,
Morava tombém um cabra
Chamado Chico Faria.
Tinha gostado de Rosa,
Chegaro, inté a sê noivo,
Mas num fizero a “introza”
Do casamento, prumode
Mané Uréia de bode,
Qui era padrim de Maria
Tê dismanchado essa prosa.
Adispois qui nós casêmo,
In cunversa, as vez dizia,
Qui ainda mi dava fim
Pra se casá cum Maria.
Mas nunca dei importança.
Na muié qui eu tanto amava,
Ou mais mió, adorava…
Cum toda a minha sustança!
Era vivê trabaiando
Sem da muié tê ciume.
Nunca me deu cabimento
Deu pensá qui ela fizesse
Um dia um farcejamento.
No resto da minha histora,
Qui o ruim chegô agora:
Já faz assim uns três mêis,
Qui o cabra, Chico Faria,
Todo prosa, todo ancho,
Quage sempre, mais das vêz,
Avistava o meu rancho.
Como quem qué e não qué,
Eu fui vendo qui o marvado
Tentava a minha muié.
Eu fui vendo a coisa feia!
Pru derradêro eu já tava
C’a mosca detrás da uréia.
E o meu arriceiamento
Cada vez ia omentano.
O meu cumpade, Quinca Arruda,
Mi chamô pra nós dança
Num samba – lá na Varginha,
Na casa do mestre Duda.
Um tocado de premêra.
É o imboladô de côco
Mió daquela rebêra.
Sempre gostou de samba,
Mas, porém, de tardezinha
Me disse discunfiada,
Qui pru samba ela não ia,
Qui tava munto infadada,
Percisava se deita…
Cum a preposta da muié!
Cuage puro sem mistura,
Cum a faca na cintura
Fui pru samba, fui sambá.
Repare agora, o sinhô,
Quem era qui tava lá?
Qui quano foi me avistando,
Foi logo mi preguntando:
– Cadê siá dona Maria,
Num veio não, pra dançá?
Pru cabôco arrispondí.
Queimano meu coração,
Nunca mais pude tirá
As palavra desse cabra
Da minha maginação.
E dançá num pude não.
Num dançava, seu doutô.
De vez im quando me oiva
Cum um oiá de traidô.
Se dispidino do povo
Disse: – Adeus, qui eu já vô.
Eu tombem me arritirei
Atraiz dele, sim sinhô.
Ele na frente, eu atrais.
Se o cabra andava ligêro,
Eu andava munto mais!
Nem o cabra via eu!
Ele na frente, eu atrais.
A voz do fole tocando
Na casa do mestre Duda!
Qui a cunciênça de Judá!
Eu fui vendo, seu doutô,
Qui o marvado ia tumando
Direção da minha casa!
Eu mim iscundí pru detraiz
De um pé de trapiazêro.
Prendi a suspiração,
Abri os óio, os ouvido,
Pra mió vê e ouvi
Qua era a sua intenção.
Do mermo jeito, qui faiz
Um ladrão pra vê arguém,
Num tendo visto ninguém,
Na minha porta bateu!
Bem baixim arrispondeu…
A isperança tava morta,
Tava morto o meu amô…
Qui a tempo tinha iscrivido
Pra mandá pra voismicê.
Pru favô num leia agora,
Vá simbora, vá simbora,
Qui quando chegá im casa
Tem munto tempo pra lê.
As palavra qui Maria
Dizia pru disgraçado,
Eu fiquei amalucado,
Fiquei quage cuma loco,
Ou mio, cumo um cabôco
Quando ta chêi de isprito!
Eu tava nos pés do cabra
E sem querer dei um grito:
Minha faca da cintura.
Eu vi o Chico Faria,
Na bêra da sipurtura!
Os home foge da morte.
Tão vexado, qui dêxou
A carta caí no chão!
O portadô da traição!
A honra, douto, a honra
Daquela farsa muié!
Tive pena, pode crer,
De num tê prindido a lê.
Nas letra alí iscrivida
O qui dizia Maria
Pru marvado traidô.
Mas, qui haverá de fazê
Se eu nunca prindí a lê?
Juêiada nos pé do artá
Jurou im nome de Deus
Qui inquanto tivesse vida,
Haverá de mim honrá
E mim amá cum todo amo.
Na iscurideza da noite
Dos meu oio se iscondê
Sem dêxá nem sombra inté
Entrei pra dentro de casa
Pra mi vingá da muié.
Maria tava ajuêiada,
Chorando, cum as mão posta
Cumo quem faz oração.
Oiando pra eu pedia,
Pelo cali, pela osta,
Pru Jesus crucificado,
Pelo amo qui eu li amava
Qui num fizesse isso não.
Cego de raiva e paixão.
Agarrei nas suas mão,
Levantei ela pra riba
E interrei inté o cabo,
O ferro da parnaíba
Pru riba do coração!
Sarvei a honra, apois não!
Caí sem vida no chão,
Vim fala cum vosmicê,
Vim cunfessá o meu crime
E mim intregá as prisão.
Se eu sô criminoso ou não,
Tá aqui a faca assarcina
E o sangue nas minhas mão.
Tá aqui a carta, doutô.
Mi mandá lá para prisão
Me lêia aqui essa carta
Pr’eu sabê cumo Maria
Perparava essa trição!
Que só lhe escrevo essa carta
Pru senhor ficar sabendo
Que eu não sou a mulher
Que o senhor tá entendendo.
Com os seus disbiques atrevidos
O jeito que tem é contar
Tudo, tudo a meu marido.
Que com seu discaramento,
Não faz nunca eu quebrar
O sagrado juramento
Que eu jurei nos pés do altar,
No dia do casamento.
Encontrou u’a mulher forte,
O nome do meu marido
Eu honro até minha morte!
O qui é qui eu tô ouvindo?
Vosmicê leu a carta,
Ou num leu, ta mi inludindo?
Maria tava inucente?
Me arresponda pru favo!
Pruque num aprendi a lê!
Uma carta de ABC.
Quanto é grande o meu sofrê!
Qui castigo, seu doutô!
Qui crime num sabê lê!
Zé da Luz
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