O blog
Mais Pajeú traz para seus leitores a emocionante história de Judite Ferreira da
Silva, 32 anos.
A
universitária tem a síndrome de Larsen, que afeta as articulações e provoca
problemas de formação. A deficiência é de difícil diagnóstico e muitas crianças
morrem logo após o nascimento. Desde criança, Judite aprendeu sozinha a adaptar
sua vida à forma do seu corpo.
Apaixonada
por matemática, Judite superou várias barreiras para seguir em busca do sonho
de entrar na faculdade. Em seu quarto, no Sítio Macambira, no distrito de
Riacho do Meio, em São José do Egito, guarda uma medalha de bronze, três placas
de menção honrosa e três certificados de participação na Olimpíada Brasileira
de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Movida a desafios, fez questão de
participar das olimpíadas enquanto estudava na rede pública.
Abaixo
relato escrita pela própria Judite da Macambira:
Não
gosto e não posso planejar o meu futuro, pois logo que nasci, em 23-09-1981,
algumas pessoas conhecidas da minha família, como Arlindo Brito, antecipou para
minha mãe o não e o meu futuro de vida. Ele falou para ela, que eu não tinha
tanta possibilidade de me criar ou meu futuro era do tipo limitado, como não
andar, não falar, ser louca...
Só
conheci os meus avôs maternos, já que meus avôs paternos já eram falecidos
quando nasci. Minhas avós eram irmãs e a que eram mãe do meu pai ficou viúva
muito cedo com 4 filhos pequenos, sendo o meu pai o filho caçula entre os 4
filhos dela, ele tinham 2 anos de idade quando seu pai veio a falecer... A
minha avó materna para casar-se com meu avô China (Manoel) teve que fugir de
casa, porque a família dela não queria permitir o casamento com ele por causa
da cor da pele e também por não saber que região e família ele
pertenciam...

Alguns anos atrás eu tive um sonho que voltava
no tempo da minha convivência com todos meus familiares de casa. Então resolvi
escrever um diário com o título "GRANDE HISTÓRIA SÓ EU CONTO"... A
minha mãe Zefa (Josefa), casou-se com seu primo Bastião (Sebastião), como citei
antes minhas avós eram irmãs... Meus pais tiveram 12 filhos e desses, 2
nasceram deficiente físico, sendo o segundo e o penúltimo dos doses, só que
antes de completar um mês de vida o primeiro filho deficiente veio a falecer e
o segundo deficiente sou eu, que estou relatando essa história...
Tanto
o meu pai como a minha mãe estudaram pouco e quando ela precisava enviar carta
para o meu pai e meus irmãos quando eles viajavam, ela pedia para uma das
minhas irmãs passarem a limpo (reescrever) as cartas...

Na minha infância convivi mais em casa,
brincava com meus irmãos mais novos, meu primo Damião e com um tempo depois
também com meus sobrinhos Nilson e Nilma. Eu gostava de ir com minha irmã Ida
(Aparecida) buscar água no carro de boi. E um dia já vinham de volta do açude
com os tonéis cheio d'água sentada na frente vi uma frutinha chamada ameixa do
mato ou ameixa brava na encosta da estrada, então tentei pegá-la, só que me
escorreguei e cai de costa para o chão e vi o pneu rodando por cima de mim. A
minha irmã Ida (Aparecida) levou-me correndo para casa e logo em seguida fui
levada do Sítio Macambira imediatamente com todas as dificuldades daquela época
pela minha mãe para o hospital UMMRS (Unidade Mista Rafael de Siqueira) da
cidade de São José do Egito-PE... Chegando lá o médico examinou-me e não
constatou nada fraturado. As pessoas não acreditavam no que tinham acontecido
comigo. Passou alguns dias e veio a reação do acontecido que o médico não pode
constatar, logo porque naquela época não existia os aparelhos que existem nos
dias de hoje. Acho que Deus decidiu que eu passasse por outros acontecimentos
nesse mundo por não ter feito a minha viagem sem volta neste
acontecido...

Na minha infância me sentia uma pessoa comum
brincava com os meninos, já que minhas irmãs são mais velhas e algumas primas
que é da minha faixa etária moravam um pouco distante de casa... Só que as
coisas foram mudando, meus irmãos indo trabalharem noutros Estados como sempre
pai exercia lá em São Paulo , Rio de Janeiro, Brasília...
Veio o casamento da minha irmã mais velha, Maria das Graças, que foi muito
marcante para guardar na minha memória, pois ver a casa cheia de gente
desconhecida para mim, mas era conhecida da minha família. A chegada dela da
Igreja, meus pais abençoando-a, a hora de tirar a foto que eu tanto queria...

Com um tempo veio o nascimento do
meu primeiro sobrinho, Nilson, as fases de crescimento, de brincar com ele,
como já citei antes, só que à medida que o tempo foi passando eu comecei a
perceber que a vida que eu levava era diferente: saía pouco de casa, não
estudava como meus irmãos mais velhos... Então, quando meu irmão caçula, Marcos
começou a estudar, resolvi reclamar e pedir para minha mãe que também eu queria
estudar. Ela me propôs que uma das minhas irmãs me ensinasse em casa, mas falei
que queria estudar em escola como meus irmãos. Assim, foi quando comecei a
estudar quase no fim do ano 1992 no Grupo Escolar Monsenhor Sebastião Ferreira
Rabelo com 11 anos de idade. Foi uma fase legal durante esse período de
estudos, porque ia para a escola, chegava à casa dos meus pais quase ao meio
dia e a tarde ia embora para casa da minha irmã Ida (Aparecida). Lá faziam as
tarefas escolares com ajuda dela ao lado dos meus primos que estudava comigo e a
noite nós brincavam enquanto chegava sono, já que naquele tempo não existiam
energia elétrica nesse Sítio, a luz era do candeeiro a gás... Quando essa minha
irmã foi embora para São Paulo, minha rotina teve que mudar. Deixei de ter a
companhia e amizade de antes dos meus primos e resolvi deixar de estudar por
causa de tanta troca e falta de professor naquela época na Unidade escolar e
também por causa das minhas limitações físicas. A minha prima Helena ajudava-me
levar no braço uma parte do percurso de casa a escola, então por não ter a
amizade de antes me achava estranha de ter que precisar da ajuda dela, então eu
resolvi deixar de estudar em setembro de 1994.
Os anos foram passando, fui convivendo cada vez mais em casa com minha mãe, já
que pai e meus irmãos trabalhavam uns na roça outros viajavam para trabalhar
como pedreiro, carpinteiro..., e nos domingos era comum pai e meus irmãos iram
ao jogo de futebol nos sítios da região... Minha mãe contava histórias para mim
e meu irmão caçula, Marcos. Ela faziam planos, gostava de criar gado, galinhas,
de plantar... Foi momentos difíceis presenciar a preocupação da minha mãe pela
minha avó quando ela ficou acamada com suspeita de problema de coluna, assim
nós passamos a ter preocupação também nela, por imaginar no problema de saúde
dela, como hipertensão alta e que ela não tomava o medicamento regular, não se
alimentava direito, pois chegava tarde nas vez que ia levar o almoço e jantar
da minha avó. Pai reclamava com ela por agir daquela maneira de não se importar
para se alimentar, deixar de tomar os medicamentos... Foi muito angustiante
acordar em 20-10-1999 com aqueles gritos "oi, oi, oi dor de cabeça"
da minha mãe. Desse dia até 10-12-1999 é inexplicável todo aquele sofrimento e
não poder fazer nada pela a minha mãe. Sei que a viagem sem volta da minha mãe
é como uma parte do mundo, que acabou junto dela para mim... Houve uma época
que eu tomei de conta da casa e de meus dois sobrinhos pequenos, porque minhas
irmãs que moravam aqui em casa trabalhavam na Empresa Serrote Redondo. Com um
tempo depois deixei de tomar de conta da casa e dos meus sobrinhos pequenos
filhos da minha irmã, Ida ( Aparecida) que tinha vindo de volta de São Paulo
com 2 filhos, morar na casa dos meus pais. Ela resolveu construir uma granja de
frango de corte, então saiu da Empresa Serrote Redondo para tomar de conta dos
filhos, da casa e da granja dela...
Fui ficando sem destino do que fazer da minha vida, só pensava coisa confusa e
comecei relatar que minha vida é sem futuro, e em certo momento falava que
minha vida não valia nada. Foi ai que conheci Cal (Antônio Carlos) que
trabalhavam como técnico de galinha de corte da Empresa Serrote Redondo. Veio
prestar seu serviço na granja da minha irmã Ida (Aparecida) e no primeiro dia
que ele me viu em 03-01-2005 tratou-me diferente daquelas pessoas, que eu já
estava acostumada ao mim ver pela primeira vez fica olhando e fazendo perguntas
sobre minha deficiência. Fiquei sem entender aquela atitude dele, mas os dias
foram passando e ele sempre me perguntava se estava tudo bem, então ele foi
conquistando minha confiança e fazendo-me com que eu desabafasse tudo que
estava acumulado na minha mente. Cal (Antônio Carlos) foi conversando comigo e
deu a maior força para voltar a estudar e procurar sair de casa, conhecer
outras pessoas, ter uma conversa com Padre Luisinho (Luis Marques)... Foi muito
difícil conversar com um Padre pela primeira vez em 06-08-2005. O Padre
Luisinho (Luis Marques) também me deu força para voltar a estudar e ele me
propôs fazer a primeira comunhão aos 24 anos de idade na cidade São José do
Egito-PE para ser uma maneira de conhecer novas pessoas.
Nestes dias de mudanças radicais houve desequilíbrio e equilíbrio no
entendimento dos meus familiares e conhecidos pelo fato de me virem sair de
casa e ir sozinha na cidade, decidir voltar estudar, ter novos amigos...
Resolvi organizar um almoço para apresentar os meus novos amigos e conhecidos a
minha família e ao mesmo tempo meus amigos e conhecidos a conhecer minha
família. Senti falta de não poder contar com a presença da minha mãe, do meu
irmão Paulo que viajou para Brasília em 15-01-1989 pela segunda vez e que não
veio mais em casa e nem nós da notícia e também da pessoa que foi muito
importante conhecê-lo, o meu grande amigo de coração “Cal (Antônio Carlos)”...
Voltei a estudar para não ficar sem ter o que fazer e ver se ajudava o dia
passar mais rápido, pois ficar sem alguma atividade só me trás preocupações em
vários assuntos. Pretendo continuar estudando, mas sem planejar nada de futuro.
Queria também não ficar tão realista com minhas atitudes e que as pessoas não
fiquem criando fantasias, pois tenho outra visão da realidade do mundo...
Fonte: Mais Pajeú
Via Pajeú da Gente
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