Se
assim o quisesse, Maria Bethânia bem que poderia comemorar, já em 2014, seus 50
anos de carreira. A artista baiana estreou nos palcos em agosto de 1964, ao
lado dos amigos Gal Costa e Gilberto Gil, com o show "Nós, por
exemplo", em Salvador, Bahia. Depois, participou de "Nova bossa
velha, velha bossa nova", que ainda contava com seu irmão, Caetano Veloso,
e outros artistas baianos, então porta-vozes de um Brasil pós-bossa nova.
O
marco em que a própria Bethânia se vale para contabilizar o início de sua
carreira, no entanto, aconteceu meses depois, já em 1965, no Rio de Janeiro.
Foi quando ela substituiu Nara Leão no show "Opinião". A novata
recém-chegada da Bahia foi ovacionada por sua versão de "Carcará",
música de João do Vale, que até hoje frequenta o repertório de suas
apresentações ao vivo.
A raiz
agreste da baiana de Santo Amaro da Purificação sobressaltou, naquela
performance, à frente da sutileza urbana e bossa-novista da carioca, dona do
papel.
Estamos,
então, às vésperas da efeméride oficial. Aos 49 anos de carreira, a cantora faz
uma espécie de preparação espiritual para as comemorações que prometem chegar
em seu cinquentenário de estrada. No novo álbum de estúdio, "Meus
Quintais", percorre o caminho da volta, da efervescência dos palcos
cariocas e agito das grandes cidades, ao aconchego interiorano da família no
Recôncavo Baiano.
"Esse
disco é contraponto dessa vida em cena, da vitrine que é ser cantora, dessa
necessidade que tive de viver em grandes centros urbanos", decifra Maria
Bethânia, na entrevista coletiva de apresentação do novo álbum à imprensa.
Curiosamente,
"Meus Quintais" também traduz algo de muito urbano em Bethânia: o
frenesi criativo. Aos 67 anos, a artista não desacelera seu ritmo de produção,
nem no estúdio, nem nos palcos. O trabalho de inéditas mais recente é de 2012,
mas de lá para cá, a cantora já colocou um DVD - "Noite Luzidia"
(2012), gravado ao vivo e repleto de participações de grandes nomes da MPB - e
um CD/DVD ao vivo, de conceito redondo e bem distante do formato grandes
sucessos, "Carta de Amo" (2013).
São
quase 50 anos de carreira, e 51 discos, a contar com os ao vivos. Perguntada,
na entrevista, sobre o motivo de tantas gravações, se teria alguma obrigação
contratual que a levasse ao ritmo intenso de lançamentos, Bethânia rebateu a
ideia com um sorriso nos lábios. "É ruim, eu sou a onça! Alguém pode
obrigar a onça a lançar alguma coisa?".
Produção
O
disco, que já está em pré-venda no iTunes, estará disponível nas lojas físicas
e digitais a partir do próximo dia 10, com distribuição pela Biscoito Fino. A
arte do encarte, bastante cuidadoso, é assinada por Gringo Cardia. Revela
entalhes em madeira, feitos pela própria Bethânia.
A
interprete repete a experiência do bom álbum "O Oasis de Bethânia",
em que reuniu uma banda com jovens instrumentistas. Desta vez, Bethânia é
acompanhada por Fábio Nim, Pedro Franco e Paulo Dafilim, que se revezam nas
cordas; e dos percussionistas Marcelo Costa e João Gaspar. É deles a criação
dos arranjos, todos, claro, sob seu crivo de intérprete e arregimentados pelo
experiente Jorge Helder, baixista cearense que assina a criação geral com
Bethânia.
"Eu
jogava o pensamento sonoro, o que gostaria de ouvir soar, porque não conheço
música, e os meninos, muito calmamente, iam criando. Eles assinam. Dá um
casamento bom, porque ficaram brincando em várias situações rítmicas,
harmônicas. Parecia quintal mesmo, sabe, quando se brinca. Muito
despretensiosos e muito capazes", detalha a cantora, sobre o ambiente e o
método de criação dos arranjos.
Entre
as participações, estão Toninho Ferragutti, no acordeom; Pantico Rocha,
bateria; o grupo Tira Poeira, o pianista Wagner Tiso; e ainda, também ao piano,
André Mehmari, jovem que fez parte da turma do disco anterior.
Travessia
O
álbum tem uma estética coesa. É repleto de cordas - violão, viola, bandolim,
cavaquinho e ukelelê - e percussões, do pandeiro, timbas e ganzás ao udú. Em
"Meu Quintal", Maria Bethânia se entranha na ideia romântica da
cultura popular, compreendida como a essência de um povo, a expressão de sua
raízes. A artista traça um paralelo com sua própria infância, faz desse Brasil
índio, mulato, de tipos populares como o pescador, o sertanejo e suas crenças,
o seu próprio quintal, para brincar e criar.
"Meus
Quintais" reafirma uma sensação de que tudo que vem de Maria Bethânia tem
qualidade. O comprometimento quase que espiritual que a baiana evoca à sua
músicas, à poesia, e o temperamento exigente que tem parecem garantia disso.
Disco
Meus Quintais
Maria Bethânia
Em pré-venda. Disponível
Nas lojas a partir de amanhã
Biscoito Fino - 2014, 13 faixas
R$ 24,90
Fábio Marques
Repórter
Diário do Nordeste
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