Depois de uma ausência de 16 anos, o
mito da música espanhola vem ao Brasil acompanhado de jovens instrumentistas e
admite: ‘Meu estilo hoje é mais sentimental’
RIO
- Pergunte ao violonista espanhol Paco de Lucía o que ele irá tocar em sua
série de concertos brasileiros (sábado e no dia 8, no Teatro Municipal do Rio;
no dia 10, no Oi Araújo Viana, em Porto Alegre; e no dia 11, no Teatro Renault
de São Paulo), e a resposta será muito simples: música flamenca.
—
Da mais pura tradição do flamenco ao que há de mais moderno nele — conta por
telefone, de um hotel em Lima, Peru, o músico de 65 anos, grande estrela do
jazz e talvez o maior divulgador do violão espanhol no mundo. — O flamenco goza
hoje de ótima saúde, está crescendo cada vez mais. Ele passou muitos anos preso
ao passado, aferrado a tradições muito talibãs, mas a partir de mim houve uma
abertura. Foi uma porta que eu e Camarón (de La Isla, cantor espanhol, mito
do flamenco, morto em 1992) abrimos para que entrasse ar fresco e os jovens
pudessem se sentir mais livres e criativos.
Para
os shows brasileiros (o do dia 8 já com ingressos esgotados), Paco traz consigo
os mesmos músicos com os quais gravou em 2010 um álbum ao vivo: Alain Perez
(baixo), Antonio Serrano (gaita, teclados), Antonio Sanchez (violão), Israel
Suarez (percussão), Antonio Flores e David Maldonado (vocais). O dançarino
Antonio Fernandez acompanha a trupe.
—
São músicos jovens, com muita energia, que conhecem a minha música desde que
nasceram, o que me estimula muito a tocar. E hoje nos conhecemos muito bem, o
que me dá muita confiança — diz Paco, hoje um músico muito diferente daquele
que despontou, ainda adolescente, nos anos 1960. — Quando jovem eu era um
violonista com muita facilidade para tocar as músicas, tinha muita velocidade,
conseguia impressionar o público com a minha técnica. Com o tempo, a gente
deixa de lado certas coisas. Agora valorizo a expressão, o sentimento. A
técnica está a serviço da música, não está lá apenas para provocar deslumbre no
público. Hoje meu estilo de tocar é mais sentimental.
Paco
de Lucía chega ao Brasil em meio a sua primeira turnê latino-americana em 16
anos. Uma longa ausência que ele tenta explicar:
—
Sabe, você vai ficando maior, e há muitos países na Europa, que é mais
próxima... Bom, sempre fui muito aventureiro e sempre gostei da América Latina,
que é onde fui mais feliz do que em qualquer lugar do mundo. Mas comecei a
ficar cansado das viagens. Também me casei de novo, tenho filhos pequenos (Antonia,
de 12, e Diego, de 7), e não queria que acontecesse como no meu primeiro
casamento, quando não vi meus filhos crescerem. O que aconteceu recentemente é
que me veio uma nostalgia do pessoal do Brasil, da Colômbia, do México...
No
intervalo de quase uma semana entre os dois espetáculos cariocas, o violonista
ficará no Rio mesmo, matando saudades.
—
Será bom, porque estamos correndo muito com essa turnê. Vou com a minha
família, quero ver Copacabana, o mar, o Pão de Açúcar, o Corcovado... Estou
louco para chegar aí!
As
boas memórias que Paco de Lucía tem do Brasil são muitas: de jantares com Tom
Jobim no Plataforma (“Ainda está aberto?”) e de encontros com Raphael Rabello
(“Um grande amigo e grande violonista, que eu adorava, chorei muito a sua
morte”) e da música de Baden Powell (“Que ouvi quando eu era muito jovem e que
me ajudou a tocar de outra maneira”). Agora, um novo astro do violão o intriga.
—
Ouvi muito falar de Yamandu Costa, mas ainda não escutei a sua música. Quando
chegar aí vou perguntar quais seus melhores discos.
Notório
no jazz por seu saudoso trio com os guitarristas Al di Meola e John McLaughlin,
Paco também deixou sua marca na música de rádio, participando das populares
gravações do “Oceano”, de Djavan, e do “Have you ever loved a woman”, de Bryan
Adams.
—
Tocar em “Oceano” foi um acerto, porque me deu a oportunidade de conhecer um
músico extraordinário, de uma originalidade que me emocionou — elogia o
violonista. — Já o Bryan Adams, bem, ele me chamou até a Jamaica, onde estava
gravando música para um filme (“Don Juan de Marco”, de 1994). Fui para
lá em férias com a minha família. Ele tinha improvisado um estúdio em uma
mansão antiga, em estilo colombiano. E a verdade é que eu me diverti muito com
aquilo. O resultado final foi interessante.
Há
cerca de um mês, Paco de Lucía terminou mais um álbum (“o meu penúltimo, como
dizemos em espanhol, para não dar má sorte”), com novos arranjos para temas
populares da Andaluzia, que ele ouvia quando criança.
—
Era um disco que eu queria fazer há muito tempo, mas nunca encontrava a atitude
certa. É um trabalho muito caro para mim, só não sei se o público vai conhecer
muitas dessas canções.
Silvio Essinger
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário