terça-feira, 18 de junho de 2013

Música:Vitor Ramil » Ele só não está tocando na rádio

Vitor Ramil está longe dos holofotes do showbiz, mas passeia firme pelo gosto de músicos da MPB
Vitor Ramil. Satolep Press/Divulgação

Nem acabou de sair, mas já está entre os melhores discos deste ano. Foi no mês que vem (Satolep), songbook com o resumo da obra de Vitor Ramil, crava a milonga no coração da música brasileira. Aos 51 anos e 33 de carreira, o “cantautor” gaúcho raramente toca nas rádios. Sua música não embala cenas de novela, mas ele está na boca de Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Gal Costa, Zizi Possi, Katia B e de Cássia Eller - para não dizer de celebridades do Cone Sul, como o uruguaio Jorge Drexler e os argentinos Mercedes Sosa e Pedro Aznar.

Vitor tinha tudo para se dar bem nos grandes palcos. Muito jovem, trocou Porto Alegre pelo Rio de Janeiro e gravou o primeiro álbum aos 18 anos: Estrela, estrela, com arranjos de Egberto Gismonti e Wagner Tiso. Inquieto, o gaúcho não demorou a desafiar a poderosa indústria fonográfica. Queria preservar o repertório das influências do mercado oitentista, que já substituía o BRock e a MPB pelo tripé pagode-sertanejo-axé.


Sob o calor senegalês de Copacabana - em pleno inverno -, caiu a ficha do jovem Ramil: o Brasil é rico demais para se resumir à estética tropical. A brasilidade também está na música do Sul, com milongas, tangos e ritmos que marcaram o cancioneiro pré-bossa nova. De volta à Pelotas natal, onde mora desde 1992, o gaúcho engendrou sua estética do frio. A milonga é soberana na obra de Vitor. Foi no mês que vem traz “puro-sangue” e canções tecidas sob sua inspiração. 

Com o violão, essa prenda - comumente associada ao estereótipo gauchesco - ganhou contornos urbanos. Suavizou-se e se fundiu a Bob Dylan, John Lennon, à batucada do carnaval pelotense e também ao samba, ao rock e à MPB. A bossa nova de João Gilberto e o Clube da Esquina também têm espaço soberano nesse pampa.

 Produção independente, o songbook traz 32 faixas revigoradas pela obsessiva busca de Vitor pela versão ideal, não importa se as canções dos nove discos surgiram há dois ou 30 anos. Diz ele que a milonga Deixando o pago atingiu o formato definitivo agora, depois de figurar em dois discos. Acostumado a “remoer” as crias, confessa: “Sou o meu próprio rádio”. As canções ressurgem com novas sonoridades, despidas de arranjos que ficaram datados. “Joguei todas as fichas na maturidade”, explica, distanciando-se do culto à juventude que transforma bons artistas em eternos covers de si próprios, prisioneiros de antigos hits.

O relicário de reinvenções contou com uma constelação de craques. Do violonista argentino Carlos Moscardini ao uruguaio Jorge Drexler. O cantor Ney Matogrosso explora tons inusitados de sua voz em Que horas não são?, emocionando Vitor pela generosidade. Contribuições gaúchas vieram de Ian Ramil, que dividiu com o pai a romântica Passageiro, e de Bella Stone, em Noturno. Os irmãos Kleiton e Kledir se juntam ao caçula, à Orquestra de Câmera do Theatro São Pedro e a Moscardini em Noite de São João, poema musicado de Fernando Pessoa.

Parceria com Milton Nascimento 

“Quando Milton canta uma canção minha, é como se ela chegasse a seu destino”, diz Vitor Ramil. Aos 13 anos, o pirralho gaúcho tentava imitar os vocalises do disco Minas. Foi assim que aprendeu a descobrir a própria voz. Vitor chama Bituca de seu professor de canto. Conta que cortou um dobrado para se “livrar” do mestre. Não queria ser o Milton dos pampas. Só depois as lições de Caetano Veloso e de João Gilberto entraram em sua história. 

Meninote, Vitor foi a um show em Pelotas tietar o mineiro, lá pelos anos 1970. Na maior cara de pau, convidou-o a ficar em Porto Alegre para ver os irmãos, Kleiton e Kledir, cantarem com Caetano Veloso na semana seguinte. Milton ficou. Mais de 30 anos depois, durante as gravações do songbook do “ex-aluno”, Bituca garantiu: só prolongou a estadia por causa daquele convite. O discípulo agradece: “Milton, querido, obrigado pela tua voz e pela minha”.


Diário de Pernambuco

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