segunda-feira, 20 de maio de 2013

Música e memória » Rock dos anos 1980: o som que revolucionou uma geração

 Bandas de rock do pós-ditadura comemora 30 anos e as conquistas com um som de rupturas, contestações e busca por liberdade

  Tantas celebrações de 30 anos de carreira não são coincidência. Paralamas do Sucesso, neste fim de semana, Barão Vermelho, no fim de abril, Titãs, com o show do lendário disco Cabeça dinossauro, já passaram por Pernambuco com as turnês comemorativas daqueles idos de 1980, era de ouro do “rock brasileiro” – definição rebatida por alguns, como o polêmico Lobão.
Em meio ao fim da ditadura e aos primeiros anos da abertura política, a música refletia a energia da época. “Várias tentativas de desbunde foram abafadas. Os Beatles chegaram aqui em 1964, no início da ditadura. A Tropicália surgiu no ano do AI-5. No meu entendimento, os anos 1980 chegam com uma demanda reprimida e uma estrutura industrial pronta para abraçá-la”, acredita Ricardo Alexandre, autor do livro Dias de luta, publicado em 2002 e relançado recentemente pela Arquipélago Editorial (R$ 39,90).

Influenciadas pelo pós-punk e new wave dos EUA e da Inglaterra, surgiram bandinhas de amigos de bairro ou escola. “A gente viveu um momento peculiar, bacana na história. Nossa geração faz parte da linha de frente, queria botar a boca no mundo”, lembra Bi Ribeiro, dos Paralamas do Sucesso. “Eu tenho o maior orgulho. Depois do regime militar, a nossa geração foi a primeira a ter voz, a se expressar artisticamente”, reforça Guto Goffi, do Barão Vermelho. O rock dos anos 1980 se tornou porta-voz de um país ávido por se reinventar e propiciou espaço para rupturas e experimentações musicais sob guarida da liberdade. 
RPM defendeu sucessos como Olhar 43 e causava frisson com o vocalista Paulo Ricardo. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
RPM defendeu sucessos como Olhar 43 e causava frisson com o vocalista Paulo Ricardo. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
O som nem sempre era coeso. Havia São Paulo, outrora dos Mutantes e Raul Seixas, com a forte cena punk e os Vímanas (1974-1978) Lobão, Ritchie e Lulu Santos, figurinhas dos anos 1970 que circularam na década seguinte. Lulu produziu Titãs e Paralamas. Havia o Rio de Janeiro, com bandas reunidas sob o Circo Voador e envoltas pelo clima praieiro e pela malandragem carioca, na linha de João Penca e Seus Miquinhos Adestrados, criada em 1977, na qual o performático Eduardo Dusek ingressou em 1982. E tinha a turma de Brasília, que deixou o Planalto Central para se arriscar no Rio (Paralamas do Sucesso) e em São Paulo (Legião Urbana e Capital Inicial).



Ultraje a Rigor criou o hit Inútil. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
 Ultraje a Rigor criou o hit Inútil. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
E era essa a música que se ouvia em todo o país, das danceterias paulistas e casas cariocas às festinhas de prédios, discotecas e ao ArteViva, no Recife. “Passei tempos sem conseguir escutar a MPB que meus pais ouviam. Era muito melancólica. Lembro bem quando chegou o single da Blitz, com a música ‘só temos instrumentos’ (Weekend). A gurizada se identificou”, diz Paulo André, 45, fundador do Abril Pro Rock, em 1993.



Evandro Mesquita era o vocalista da Blitz, que era convidada para programas de TV como o de Chacrinha. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
Evandro Mesquita era o vocalista da Blitz, que era convidada para programas de TV como o de Chacrinha. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
Os outros estados respondiam com produções locais, mas poucas chegaram a se firmar nacionalmente, como Camisa de Vênus (BA), de Marcelo Nova, e a bem-sucedida Sepultura (MG). Do Rio Grande do Sul, veio, no fim da década, Engenheiros do Hawaii, com o pop rock de faculdade. Nem sempre com apuro estético, os grupos saíram dos ensaios de garagens para conquistar o país inteiro. Inclusive jovens do século 21, muitos nascidos quando eles já arriscavam os primeiros acordes.

Enquanto isso por aqui...

Pernambuco exportou, na década de 1970, Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Na década seguinte, enquanto estourava o rock brasileiro, a produção local não conseguiu se projetar nacionalmente. Alguns artistas tentavam a sorte no eixo Rio-São Paulo, como Lenine e Lula Queiroga, que lançaram o discoBaque solto (1982) em terras cariocas. “Uma vez, uma senhora olhou para mim e disse ‘se ele fosse bom mesmo, não estava aqui’”, conta Lula Queiroga, sobre a juventude artística. Ele decidiu ir para o Rio, a carreira não deslanchou e voltou. Lenine se projetou somente dez anos depois, com Olho de peixe.

O estado era uma ilha, mas não sem movimentação musical. O próprio Chico Science, quase embaixador da música pernambucana na década de 1990, já participava de grupos de hip hop e fundava as bandas Orla Orbe e Loustal, as duas com Lúcio Maia e a última com Dengue, ambos da Nação Zumbi até hoje. A Mundo Livre S/A foi criada antes, em 1984. E Fred 04 já tinha sido líder da Serviço Sujo, pouco antes.

Cannibal lembrou como era a cena no Recife dos anos 1980. 
Foto: Felipe Ribeiro/Divulgação.
 Cannibal lembrou como era a cena no Recife dos anos 1980. Foto: Felipe Ribeiro/Divulgação.
A cena do metal e hard rock era intensa na década de 1980, embora o público ainda se formasse. Cruor, The Ax e Realidade Encoberta começaram as atividades na época. A Câmbio Negro H.C, que retornou à ativa em 2013, nasceu em 1984. Herdeiros de Lúcifer foi a primeira banda de metal pernambucana, com covers de Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Judas Priest. “A gente ainda estava dentro de casa, ensaiando, tocando na periferia. Era show para a gente mesmo, para os amigos das bandas”, conta Cannibal, da Devotos. Naquela época, ele, como todos os jovens, gostava mesmo era dos shows no Circo Voador, onde viu Legião Urbana e Capital Inicial.

Luiza Maia - Diário de Pernambuco

Nenhum comentário:

Postar um comentário