Cantor tem estado
"minimamente consciente", conforme diz o último boletim médico
Os dedos de Seu
Domingos se movem lentamente. Há meses estavam duros, em nada parecidos com
aqueles que a diva do jazz Sara Vaughan beijou depois de vê-los incendiar as
teclas de uma sanfona no Free Jazz Festival de 1987. Nem de longe os mesmos que
Luiz Gonzaga nomeou herdeiros legítimos de seu reinado. Ao sentir a mão da
mulher Guadalupe tocar a sua, Dominguinhos a aperta forte. Sua reação mais
comovente depois de oito enfartes, 23 minutos sem oxigenação no cérebro, uma
traqueostomia, dois meses na UTI e desavenças familiares sobre seu próprio
leito até parece milagre.
A
luta de Dominguinhos não é só pela própria vida. Seu estado “minimamente
consciente”, conforme diz o último boletim médico divulgado em 18 de março, lhe
permite perceber o que o rodeia de bom e de ruim. Quando o flautista Proveta
surgiu tocando no quarto, acompanhado pelo sanfoneiro Mestrinho, o homem só
faltou dançar. Já nas duas das vezes em que o filho Mauro Moraes apareceu para
visitá-lo, discussões tensas entre Mauro e um acompanhante de quarto que
permanece ao lado do leito a pedido de Guadalupe entristeceu o músico
profundamente. Se pudesse fazer um pedido, Domingos certamente suplicaria mais
por paz do que pela própria vida.
A luta do maior músico da cultura nordestina, um
dos mais geniais instrumentistas do País, se dá em um quarto do Hospital Sírio
Libanês, em São Paulo. Assim que foi diagnosticado com um câncer de pulmão, fez
tratamentos de rádio e quimioterapia sem jamais falar sobre a doença com a
imprensa. Sua incapacidade de dizer não, mesmo debilitado, o levou, em dezembro
de 2012, até Exu, no interior de Pernambuco, para tocar nos 100 anos de
nascimento de Luiz Gonzaga. Uma decisão difícil, tomada depois de uma noite de
lágrimas como respostas às súplicas de Guadalupe. “Eu dizia para ele não ir e
ele só chorava. Ele nunca diz não.”
Como não entra em avião nem sob tortura,
Dominguinhos saiu de carro de Recife para Exu. A cada dois quilômetros, ligava
para dizer a Guadalupe como estava. Em uma ligação, reclamou de febre. “Então
volta, homem. Volta pelo amor de Deus”, ela implorou. Domingos foi até o fim e
tocou já sentindo o pulmão fechar. Quatro dias depois, passou mal, foi
internado e começou a lutar pela vida.
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