Condado – É em uma
casinha simples e poente, perto da pista que leva a Goiana, que mora o mestre
rabequeiro Luiz Paixão, 64 anos. Ele nos espera sentado na frente da casa,
fumando um cigarro. “Ó, o rabequeiro sou eu! Tá muito quente aí dentro”, avisa,
ao chegarmos no endereço indicado. No terraço, as paredes da casa são cobertas
por quadros religiosos e três pôsteres de oficinas e viagens que seu Luiz fez
pelo mundo para mostrar sua arte. Nas cadeiras, dois intrumentos: uma rabeca,
feita em São Paulo, que o acompanha há dez anos e, surpresa, uma sanfona de 80
baixos. “Eu quis aprender a tocar, mas só faço o boato. Tive cinco pedaços de
tarde de aula com Camarão, há uns quatro anos. Mas não se aprende a tocar
instrumento só com uns pedaços de tarde”, acredita. Com a rabeca, a história é
diferente. “Eu nasci dentro dela”, diz.
A música de Luiz Paixão é uma música vigorosa, rica, que impressiona à primeira escuta. Como cada mestre, ele tem um estilo único de tocar, facilmente reconhecido pela destreza e agilidade. É, provavelmente, o único mestre ativo na Mata Norte. “Aprendi com meu tio Antônio”, lembra. Nascido no Engenho Palmeira, em Aliança, seu Luiz começou a ter contato com o instrumento por meio do avô paterno, Severino Paixão, e dos tios.
O aprendizado de seu Luiz reproduz a tradição da cultura popular: o menino precisava querer muito tocar e só era ensinado pelos mais velhos após conseguir aprender um pouco sozinho. Sem permissão para pegar na rabeca, ele aproveitava qualquer distração dos tios para tocar. “Aprendi duas notas sozinho. Um dia voltando da feira, meu tio já bêbado, me disse: ‘bora tocar’. Aí ele pegou a rabeca e eu fiquei com o xaco xaco. Aí eu disse: sabia que eu também sei tocar isso aí? ele tirou a rabeca e me deu. Toquei só aquelas duas notas que eu sabia”, recorda. “Ele tirou a rabeca da minhã mão, desafinou e me devolveu. Não saía nada! Aí no terreiro tinha uma jaqueira bem grande, ele me levou para lá e me ensinou a afinar corda por corda”, lembra seu Luiz. “Foi aí que comecei a aprender de verdade”.
O estilo que começou a desenvolver aos 12 anos foi aprimorado nos forrós do engenho – “a gente tentava fazer na rabeca o que ouvia na sanfona” – e nos cavalos marinhos da Mata Norte, onde começou a tocar aos 15 anos. “O primeiro que me chamaram para tocar foi o do mestre Memeso, em Nossa Senhora do Ó, distrito de Aliança. Depois, saí tocando em tudinho por aqui: ‘o filho de Odilon tá tocando rabeca’. Todo dono de cavalo marinho queria ver como eu tava tocando. Tinha todo fim de semana”, diz. Entre uma festa e outra, o mestre passava a maior parte do tempo trabalhando na cana de
No início do anos 1990, a vida do mestre começou a mudar. Acompanhado do músico Siba, o etnomusicólogo norte-americano John Murphy foi pesquisar a cultura popular da Mata Norte e, em 2000, convidou seu Luiz para uma apresentação nos Estados Unidos. “Passei poucos dias, mas gostei muito. Seu João Americano, como eu o chamava, ensinou um pessoal de lá a tocar percussão e eles precisavam de um rabequeiro para se apresentar, aí me chamaram”, lembra. Era o início de uma carreira musical. No ano seguinte, passou a acompanhar a cantora paulista Renata Rosa. Com ela, viajou pelo Brasil e foi quatro vezes para a França. Em 2005, também pelas mãos de Renata Rosa, lançou seu primeiro disco, com direito a turnê francesa, o Pimenta com pitu. “Era a bebida que eu mais tomava!”, conta, gaiato.
No ano passado, seu luiz deu início a gravação de mais um disco, A arte da rabeca, que deve ser lançado ainda neste semestre. Continua tocando no cavalo-marinho, agora, no seu próprio, o Boi brasileiro, e vez ou outra faz participações em shows de amigos. “O povo acha que eu toco bem. Mas eu escuto e acho que estou fazendo tudo errado!”, diz, com a modéstia dos gênios.
Continuação
O que incomoda o mestre é ver que sua arte está em extinção na Mata Norte. “Tem menino daqui que me vê tocar e vem falar comigo para ensinar. Eu digo que ensino, mas cadê que eles aparecem aqui? Na casa deles bater na porta eu não vou”, diz. No Recife, a história é bem diferente. “O povo de lá tem muito interesse. Outro dia eu estava na Casa da Rabeca e quando fui tocar tinha uma fila de uns cinco rabequeiros na minha frente. Aqui, sou eu sozinho. Não aguento mais tocar a noite toda, fico cansado”, diz. “Os jovens daqui parece que só se interessam por drogas”, lamenta. “Hoje é muito fácil conseguir um instrumento. Tem muita gente tocando bem. Pegam um pouquinho de um aqui, um pouquinho de outro ali e saem tocando”, diz seu Luiz
Carolina Santos - Diario de Pernambuco
Diariode Pernambuco - Diários Associad
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