Três décadas se passaram e a obra interpretada pela artista ecoa com expressão. A importância do Ser de luz - síntese criada por João Nogueira, Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte para definir Clara Nunes - é reverberada. Em Pernambuco, sambistas a colocam numa espécie de andor imaginário, sobretudo por proliferar o gênero musical e a cultura afro-brasileira ou por aumentar o espaço para intérpretes femininas em gravadoras.
Em Pernambuco, uma das principais seguidoras de Clara Nunes é Karynna Spinelli. Aos 4 anos, nasceu a relação entre a compositora do Morro da Conceição e a obra da mineira. Karynna a conheceu através do pai seresteiro e da mãe violonista. Desde 2008, reproduz o canto de Clara nos palcos do Recife.
Na vida pessoal, batizou a filha de Klara Lua, hoje com 7 anos. Na artística, Karynna suga figurino, repertório, poesia, iluminação e até a moral deixada pela Guerreira, como era conhecida, para esculpir a carreira. “Clara não tinha preconceito com raça, religião ou qualquer tipo de som”, ressalta. O respaldo maior vem do lar. O filho da pernambucana, de 14 anos, diz para a mãe: “A hora que você canta mais bonito é quando canta Clara Nunes”. Para Karynna, a história da música se perpetua dessa forma. Os filhos, representantes de outras gerações, endossam a arte de Clara.
Na terra do frevo, a pernambucana canta samba, cultura popular e o candomblé. Sobre a religião, evita uma apresentação caricata. “Fui vivendo e respirando Clara Nunes para trilhar o meu caminho na música. Ela é uma grande força para que eu cante o candomblé em cima do palco”, frisa a compositora.
Em 2008, Karynna protagonizou o primeiro espetáculo em homenagem a ela, sendo a primeira artista pernambucana a montar um show conceitual sobre a intérprete. No dia em que completaria 70 anos, estrelou o concerto Uma noite Clara, no Teatro Luiz Mendonça, com a presença do músico Jorge Simas, que já acompanhou Clara Nunes no palco. Em março, promoveu uma edição especial do Clube do Samba do Recife.
Aos 33 anos, a intimidade com a obra de Clara Nunes não exclui o encanto no olhar de Karynna. Ainda hoje, por exemplo, chora ao cantar versos da música A preta e a Clara, composta por Selma do Samba, que diz: “ô, Clara, que pena eu cheguei mais tarde. Mas o meu pensamento invade e envia flores pra você…”
Clara Nunes começou cantando boleros e samba-canção. A consagração popular se firmou com a redenção ao samba na década de 1970, após o sucesso Conto de areia. Gerlane Lops é cantora há 16 anos. Assim como Clara, a compositora e intérprete pernambucana só encontrou o gênero musical mais tarde. O início da carreira foi interpretando composições de artistas pernambucanos, como Lula Queiroga e Dominguinhos. Na estrada com o samba, conquistou maior notoriedade e, segundo ela, comparações com a intérprete mineira.
“Desde que comecei a cantar samba, as comparações existem. Sempre fiquei desconfiada. Tentei me distanciar um pouco para evitar”, confessa Gerlane. Em uma reflexão sobre as associações, admite ficar feliz, mas não esconde o receio: “A responsabilidade é grande”. Há dois anos, disseca a biografia e discografia de Clara Nunes. Decidiu entender mais sobre o ícone da música brasileira.
“A força de interpretação de Clara Nunes é minha maior inspiração. Não sou cantora. Sou intérprete. Clara foi intérprete. Era uma via de comunicação para o público entender, sorrir ou se emocionar com os versos”, pontua. Ainda sem previsão de estreia, Gerlane formata o espetáculo Salve Clara, com composições interpretadas por ela ou dedicadas a ela. No DVD Da Branca, lançado em 2012, Gerlane gravou a música Obsessão, composição de Milton de Oliveira e interpretada por Clara Nunes.
“Aconteceu essa coincidência. Só depois ouvi a versão de Clara, que canta de uma forma muito especial”, explica.
Em março, a intérprete fez um “prelúdio” do projeto na sede do Galo da Madrugada, com a presença de artistas pernambucanos. Para ela, que também assina o roteiro, o desafio maior está em definir o repertório. Ao contrário de Karynna Spinelli, Gerlane não possui ligação com a religião candomblé e nem tem intenção de reproduzir figurino semelhante ao da artista. Apenas admira a cultura afro e “veste” o respeito que a mineira propagava na arte.
Fernanda Guerra - Diario de Pernambuco
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