O novo disco é um mergulho no universo do chamado “Adult
Oriented Rock” ou “Album Oriented Rock”. Um termo usado pelos especialistas
para definir um tipo de música muito popular nas rádios do planeta entre 1977 e
1983, de canções com um suingue morno, vocais melodiosos, instrumental com
requintes jazzísticos, guiado por pianos e teclados (com eventuais solos de
guitarra), e parido em condições ideais de assepsia em estúdios californianos.
Pondo para escanteio o jargão: é o som de Christopher Cross, Doobie Brothers,
Steely Dan, Alessi Brothers, Gino Vanelli (e os correspondentes brasileiros
Rita Lee, Guilherme Arantes e Lincoln Olivetti), que até hoje pode ser ouvido
na programação congelada no tempo das light FMs.
— Isso aparece na minha música desde
sempre — conta Ed. — Uma coisa que eu achava curiosa nos dois discos “Manual
prático” (o “Manual prático para festas e afins”, de 1997, e “As
segundas intenções do manual prático”, de 2000) e no “Poptical” (de 2003) é que as edições japonesas vieram classificadas
como “AOR”. Tinha uma música já no primeiro “Manual”, “Por você ser mais”, que
era completamente influenciada pelo Christopher Cross. E outras coisas que eu
fiz dialogavam com esse universo, que sempre foi um pouco “underrated” (subestimado). Só não sabia que o nome disso era “AOR”.
Depois de um disco instrumental de free
jazz (”Aystelum”, de 2005), outro de estranho rock em inglês (“Chapter 9”, de
2008) e um equivocado “Piquenique” (“Era um disco muito eletrônico, eu tentei
fazer uma coisa 100% modernizada”, analisa), Ed Motta vê “AOR” como uma
reconexão com o seu melhor passado, de canções sofisticadas que tocavam no
rádio.
— Essa ideia do “AOR” entrou no disco
como uma brincadeira estética. Esse não é o formato das grandes rádios, ele
atinge o público adulto-contemporâneo. Eu quero tocar na rádio adulta, quero
fazer show num lugar adulto, não quero tocar num festival, deixa a garotada
fazer isso, que tá legal — diz um Ed sarcástico e “mais ranzinza do que nunca”.
— Idade por idade, esteticamente eu até prefiro ter 40 anos. Eu nunca quis ser
jovem, a cultura do jovem nunca foi o meu negócio. Eu não tinha amigos da minha
idade, eu não ouvia a música da minha época. Ser jovem sempre foi algo errado
para mim.
O precoce Ed Motta, no entanto, não se
viu livre de problemas típicos da adolescência. Há cerca de dois anos, foram
reproduzidos na imprensa alguns comentários nada elogiosos que ele fez, de
forma brincalhona/virulenta, em sua página no Facebook sobre alguns artistas da
MPB. A situação, que já não era boa para ele nas esferas profissional (poucos
shows com banda, discos que não tocavam nas rádios) e particular (estava
separado da mulher, Edna Lopes, com quem voltou a viver há um ano), ainda iria
piorar com a repercussão das suas declarações.
— Eu comi o pão que o diabo amassou por
causa daquilo ali, faltou comida na minha casa. Shows cancelados, condomínio sem
ser pago, eu fiquei mal. Desde então, ficou parecendo que eu sou o cara que
fala umas coisas meio erradas — conta o cantor. — Ainda bem que a gente pode
brigar no Facebook, porque aí não vai brigar no mano a mano. As pessoas me
agridem, eu agrido de volta. Eu tava errado, eu tava brincando, e aquilo me
prejudicou pra cacete.
Mágoas, ficaram várias. E ele as
exorcizou na última faixa de “AOR”, “A engrenagem”, música em que preferiu
deixar de lado os préstimos dos letristas que trabalharam no disco (Rita Lee,
Adriana Calcanhotto, Chico Amaral e a mulher, Edna) e resolveu escrever sua
primeira letra. Os versos são bem claros: “Não foi nada de mais/ repetia tudo
sem ter medo/ não foi nada de mais/ ficou tarde, eu sei/ pra rir outra vez”
— Quando comecei a tocar a música,
esbocei um negócio e pensei: Não é o Leonard Cohen, mas, estragando a música,
não está — brinca o cantor, que se demorou bastante na produção de “AOR”. —
Levou um tempão até que eu conseguisse fazer arranjos para as músicas, buscando
as camadas de harmonização, duas guitarras e dois pianos, cada um fazendo um
negócio... Um cara que é abastado tecnicamente faz isso de hoje para amanhã. O
David Foster, o Lincoln Olivetti, eles fazem isso brincando. Pra mim, isso é
uma tapeçaria, um trabalho chinês.
Um trabalho
terapêutico
— Quando eu estou fazendo o que tenho
que fazer, que é a minha música, fica tudo melhor. Eu consigo aceitar com mais
condescendência aquilo com que eu não concordo.
Depois de passagens pelas gravadoras
Warner, Universal Music e Trama, Ed Motta estreia no mercado independente com
“AOR”: o disco foi gravado por seu próprio selo, o Dwitza Music, e está sendo
prensado e distribuído pela Lab 344. Amanhã, começa a venda digital do álbum,
pelo iTunes. A versão física chega às lojas no dia 23.
— O Dwitza já existe há um tempão, só
agora que eu estou colocando esse nome na frente. Quem sabe assim eu possa
transformá-lo num pequeno selo para lançar outras pessoas, outros projetos.
Tenho pretensão de crescimento — diz.
A nova forma de trabalho, longe das
preocupações com diretores de gravadoras, tem agradado a Ed Motta.
Principalmente por causa dos resultados alcançados no disco.
— Este é o meu disco mais bem gravado.
A gente gastava no mínimo uma semana por música. É um tempo inexistente hoje,
no mercado de música brasileira, mesmo com pessoas que têm estúdio em casa.
Gravar discos é o que me dá mais prazer de fazer.
Em “AOR”, Ed teve a oportunidade de
realizar um velho sonho: gravar com o guitarrista americano David T. Walker (na
faixa “Ondas sonoras”), algo que ele planejava desde 1994, quando foi para os
EUA fazer um disco que nunca saiu.
— Foi tudo simples, via internet. Eu
mandei um e-mail dizendo que o queria muito em alguma faixa, mas não sabia com
o quê — conta o cantor.
Outras das “participações especiais”
(termo que Ed abomina) de “AOR” são as do guitarrista Jean Paul Maunik, do
grupo inglês de acid jazz Incognito (em “Marta”) e de Dante Spinetta, filho do
finado astro do rock argentino Luis Alberto Spinetta e líder do grupo Illya
Kuriaki and The Valderramas (ele faz um rap na faixa “Latido”, que tem letra em
espanhol). Não por acaso: os públicos argentino e chileno têm sido receptivos
ao trabalho de Ed nos últimos anos.
— Em Buenos Aires, eu consigo tocar
duas noites seguidas. No Rio, só uma — resume.
Numa versão em inglês (com letras que
nada têm a ver com as em português, feitas por Rob Gallagher, vocalista do
Galliano, outro grupo inglês do acid jazz), “AOR” será lançado em junho na
Europa (em CD, vinil e mp3), pelo selo alemão Menbran. Desde “Aystelum” Ed não
tinha um disco lançado no Velho Continente. Sua intenção é divulgar o
lançamento com uma turnê europeia no fim do ano.
— Mesmo comigo afastado há um tempão,
os caras têm aquele respeito em barris de carvalho — metaforiza Ed — Não vou à
Europa desde 2005, fiquei um tempo com medo de avião, não conseguia nem pegar
uma ponte aérea. Cancelei turnês por causa disso.
Para os shows de “AOR”, Ed Motta
pretende aposentar o formato solo voz-e-piano-ou-violão, mais constante nos
últimos anos, e montar uma banda só com instrumentistas jovens, iniciantes no
mercado.
— Boa parte dos músicos que tocaram no
meu disco trabalha com outros artistas. Artistas “first call”. O que eu não sou
— resigna-se.
SILVIO ESSINGER
O Globo
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