Raul Di Caprio,
Renato da Rocinha, João Martins e outros mostram que renovação do gênero já não
tem como foco os palcos da Lapa
|
Na foto, da esquerda para a direita, em pé, Juninho Thybau, Alexandre Nunes, Leo Russo, Renato Milagres e Renato da Rocinha. Sentados Di Caprio, Inácio Rios e João Martins. Ana Branco / Agência O Globo
|
RIO - Um dia, o menino Raul, no auge de seus 10 anos, chutou
mal uma bola e não machucou o dedo, mas teve que buscá-la do outro lado do muro
da quadra do tradicional bloco Cacique de Ramos. Quando atravessou o portão,
entre o medo e a desconfiança, se deparou com uma roda na qual os sambistas
cantavam bonito, marcavam o ritmo na palma da mão, nos repiques e tantãs. Mas,
em vez de ouvir uma bronca ou ver seu brinquedo destruído, foi convidado por
Renatinho Partideiro, craque dos versos de improviso, a ficar sentadinho ali,
vendo tudo. De Renatinho ganhou também o apelido de Di Caprio, pela sua maneira
caprichada de se vestir. A partir daí, abraçou a carreira de sambista. Hoje
Raul Di Caprio é um dos compositores mais gravados de uma geração de artistas
que, como ele, são crias das rodas da cidade, parceiros entre si, e que estão
lançando agora uma representativa safra de CDs repletos de canções autorais.
Com histórias e formações diferentes, Di Caprio, assim como Renato Milagres,
Renato da Rocinha, Juninho Thybau, Léo Russo, João Martins, Inácio Rios e
Alexandre Nunes mostram que a renovação do samba já não tem como foco os palcos
da badalada e cansada Lapa, mas sim as rodas de samba.
— A minha experiência no Cacique foi
importante, mas fundamental foi o surgimento das rodas do Beco do Rato, na
Lapa, e da Pedra do Sal, na Praça Mauá. Ali havia uma onda de se mostrar sambas
novos. Comecei a compor sem parar, para nunca repetir um samba — conta Di Caprio,
que se defende trabalhando como chaveiro em Olaria, onde nasceu.
Famílias de bambas
Parceiro de Di Caprio em “Lendas da
mata”, sucesso das rodas, João Martins é filho de Wanderson Martins, um dos
mais renomados cavaquinistas do samba. Ele cresceu vendo circular por sua casa
bambas como Wilson Moreira e Monarco, mas demorou para se envolver com a
música.
— Eu me criei em rodas de calçada,
tocando em barraca de cachorro-quente, aniversários. A partir daí me aventurei
pela composição — lembra Martins, que há oito anos participa da roda dos
sábados do Clube Renascença e lançou recentemente seu segundo disco, “Receita
para amar”, com parceiros como Dona Ivone Lara e Moacyr Luz e contemporâneos
como Inácio Rios.
Filho do lendário Zé Katimba, Rios
definiu muito cedo o que queria da vida. Aos 8 anos acompanhou o pai numa faixa
de um disco produzido por Rildo Hora sobre a Imperatriz Leopoldinense; aos 12,
tocava no Butiquim do Martinho; dois anos depois estava na banda do próprio
Martinho, substituindo Mart’nália no coro; em 2005, aos 19, tornou-se o mais
jovem ganhador de samba-enredo, na Mocidade. Atualmente, toca na banda de Jorge
Aragão e pode ser visto aos domingos no comando da roda da Toca da Gamba, em
Niterói.
— A roda é o momento mais importante do
sambista. Quando ele canta uma música inédita e ela cai na boca do povo, o
público passa a ser o difusor — conta Inácio, que está com “Agulha de marear”
na fábrica. O disco é autoral e conta com participações de Mart’nália e Diogo
Nogueira. A capa foi desenhada por Elifas Andreato para um LP de Paulinho da
Viola; não foi aproveitada, e, restaurada, embala a nova obra.
Já Alexandre Nunes começou tarde no
samba. Crescera ouvindo Jamelão, Martinho da Vila e Clara Nunes, mas só aos 24
anos resolveu tocar cavaquinho, influenciado pelo Fundo de Quintal. Passou a
frequentar rodas como as do Candongueiro, em Pendotiba, do Cacique e do Samba
da Beltrão, em Niterói. Mas a virada em sua vida aconteceu em 2005, quando foi
substituir Alessandro Cardozo no pagode que Luiz Carlos da Vila organizava na
Vila da Penha.
— Ele me convidou para fazer parte da
roda, e lá conheci o Moacyr Luz, com quem trabalho hoje no Renascença. Essa
vivência da roda é fundamental para o sambista — conta Nunes, também conhecido
como Marmita, que lançou em 2012 “Minha filosofia”. — Tocar no Samba do
Trabalhador é fazer parte de um projeto que ficará na História.
Renato Milagres e Juninho Thybau podem
até tentar disfarçar, mas o andar, o modo de cantar e até o de falar entregam
os dois sobrinhos de Zeca Pagodinho. Milagres criou um grupo de pagode para um
trabalho escolar, gostou do assunto e, através do cavaquinista Carlinhos
Doutor, se aventurou pelas rodas, até criar a sua, aos sábados, no Renascença.
Já Thybau, filho do compositor Beto Gago e um dos autores do sucesso de Diogo
Nogueira “A vitória demora mas vem”, confessa que sonhava ser jogador de
futebol, mas que o chamado “das ruas, da noite” foi mais convincente.
— Ai veio a inspiração, a paixão pelo
partido alto. Tenho como lema uma frase do Beto Sem Braço: “Você pode prender o
poeta, mas não pode prender a poesia” — diz Thybau, também com o disco saindo
do forno, produzido por Alceu Maia e com parcerias com Nei Lopes, Fred Camacho
e o Trio Calafrio.
Já Renato da Rocinha e Léo Russo têm
trajetórias totalmente diferentes. Renato, como o nome diz, é cria da
comunidade-cidade de São Conrado e começou a cantar depois de anos atuando como
locutor da rádio local. Filho de sambistas, ele se prepara para lançar o seu
segundo CD, “Moleque bom”, em julho. Para ele, o samba, se tivesse cara, seria
a de Almir Guineto.
— Sou fã dos mestres, mas tenho orgulho
de pertencer a essa geração. Sou fã do Inácio, do João Martins, dessa turma que
faz a roda do samba girar — conta Renato, que comanda o Samba de Boteco, aos
sábados, em Jacarepaguá.
Bênçãos de Rildo e Beth
Já Léo Russo se diz um “sambista de
apartamento”.
— Meu pai tinha um bar em que só tocava
Martinho e Zeca. Aos sete anos pedi um disco de samba para minha mãe e ela veio
com “Deixa clarear”, do Zeca. Ali conheci Monarco e Alcides Malandro Histórico.
Daí para João Nogueira e Roberto Ribeiro foi um pulo.
Depois do disco, Russo ganhou um
cavaquinho, passou a compor e a cantar e, há dois anos, aos 21, venceu o
concurso de Novos Talentos do Carioca da Gema. E ainda convenceu Rildo Hora a
produzir seu primeiro disco, que leva seu nome e deve ser lançado em julho.
Rildo virou parceiro e trouxe um time de feras para o estúdio: Beth Carvalho
cantou e sugeriu que “Mutirão de amor” abrisse o disco; o ex-jogador Junior participou
com seu pandeiro; Diogo Nogueira, Velha Guarda da Portela e Dudu Nobre também
dividiram faixas. A roda, onde sempre se preservou a memória oral do gênero, é
o espaço de convivência em que uns se divertem, outros ganham o pão e,
principalmente, onde surgem espontaneamente sambas que atravessam o tempo.
JOÃO PIMENTEL
O globo
Não sei ... sou pequena de mais mas poxa queria tanto escrever uma música mas não sei como fazer isso :p
ResponderExcluir