Em comum, eles tinham a pecha de malditos da música brasileira pairando sobre suas cabeças criativas. Sérgio Sampaio (1947 - 1994), visto de forma enviesada pela imprensa e reduzido pelo público ao sucesso de "Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua". Wilson Simonal (1938 - 2000), hostilizado após ser acusado de delator durante a ditadura militar.
Wilson Simonal: documentário exibido em cineclube, na Vila das Artes, reconstitui a trajetória do artista, do estrondoso sucesso inicial ao ostracismo. Cantor de talento ímpar, ele era acusado de ter colaborado com a ditadura militar brasileira
A marginália distinta de ambos entra em foco na edição "Pilantras e Bandidos", do Cine Desbunde, projeto do grupo Provocações. Será exibidos, hoje, a partir das 19 horas, na Vila das Artes, os documentários "Simonal: Ninguém Sabe O Duro Que Dei", longa-metragem lançado em 2009, e "Um Sampaio Teimoso", curta de 2010.
"´Pilantra´ e ´Bandido´ eram dois adjetivos pelos quais eles eram conhecidos. O Simonal era muito conhecido como pilantra. A música dele foi batizada de ´pilantragem´. E bandido, era o Sérgio. A música bandida, marginal. Ele era incompreendido pela imprensa e era recorrentemente taxado disso", situa um dos organizadores da mostra, Antônio Viana.
Resultado disso, reforça, é que os dois nunca tiveram o devido reconhecimento, da importância, da influência do que fizeram dentro da música brasileira. "Muita gente não tem qualquer conhecimento deles. O Simonal representou um movimento na música brasileira. Muita gente foi influenciado por ele. E o Sérgio Sampaio, da mesma forma", defende.
Viana é um dos integrantes do Coletivo Provocações, que contam ainda com Carolina Capasso, Fernanda Brasileiro, Gisa Barros e Ravel Andrade. "A edição na Vila das Arte é uma oportunidade de atingir um outro público. Nosso coletivo tem atividade cineclubista há dois anos. E dentro dela, fazemos o Cine Desbunde, com documentários musicais brasileiros de artistas importantes mas desconhecidos", contextualiza.
Entre as exibições do grupo, já foram tema os Novos Baianos e os Doces Bárbaros. Eles promovem o Cine Desbunde desde 2012, com edições realizadas em espaços no bairro Benfica e Conjunto Palmeiras.
Maldição
"Eu, por exemplo, trabalhei durante cinco anos gravando discos e adquiri um carma de maldito, que eu não concordo, absolutamente", lamentava Sérgio, em cena incluída no documentário "Um Sampaio Teimoso". O filme é dirigido pela publicitária Nayara Tognere e o jornalista Stéfano Fabris. A filmografia de Sérgio inclui ainda o longa "Cachoeiro em Três Tons", lançado em 1990, retratando a família de Sérgio, também enquadrando seu pai, Raul Gonçalves Sampaio e primo de Raul Sampaio (parceiro de Roberto Carlos).
Mesclando imagens de arquivo da família Sampaio a entrevistas de músicos e amigos de Sérgio, o filme questiona o título de maldito. Artistas que também receberam esse "carma", Jards Macalé e Luis Melodia, amigos de Sérgio, estão entre os entrevistados. "Um: amaldiçoado. Dois: que exerce influência nefasta ou sinistra. Três: que tem muito má índole. Cruel, perverso", argumenta Macalé, lendo verbete o "maldito" no dicionário. "Quem vai carregar um negócio desses, cara?", completa, denunciando o quanto o rótulo foi nocivo a Sérgio.
O capixaba estreou em LP ao lado de Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy Star, no polêmico "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez", lançado em 1971, pela CBS. Sua discografia constam ainda o disco "Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua" (1973), produzido por Raul Seixas, e "Sinceramente" (1982).
Traidor
Maldição diferente recaiu sobre Wilson Simonal. O cantor foi sucesso nas décadas de 1960 e 1970, chegou a comandar um programa na TV Tupi. Durante essas duas décadas, lançou 19 Lps. Na década de 1980, foram apenas dois. O cantor foi praticamente banido da música brasileira após ser associado à tortura de seu contador à época, acusado de ser informante dos órgãos de repressão.
"Simonal: Ninguém Sabe O Duro Que Dei", filme dirigido por Micael Langer, Calvito Leral e o casseta Cláudio Manoel recompõe a trajetória do músico desde a infância até sua morte, em 2000. O filme resgata imagens de shows, participações em TV e cenas do noticiário da época, além de entrevistas com figuras como Chico Anysio, Pelé, Toni Tornado e seus filhos Simoninha e Max de Castro.
Mais informações:
Cine Desbunde - Pilantras e Bandidos. Hoje, a partir das 19 horas, na Vila das Artes (Rua 24 de Maio, 1221 - Centro). Gratuito. Contato: (85) 3252.1444
FÁBIO MARQUES
REPÓRTER - Diário do Nordeste
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