terça-feira, 30 de abril de 2013

MEMÓRIA: Paulo Vanzolini o gênio que compunha para mesa de bar

 O paulista Paulo Vanzolini, que morreu, antes de ontem,  aos 89 anos, no Hospital Israelita Alberto Einstein, em São Paulo, foi um homem de dupla personalidade, ambas muito bem-sucedidas. Zoólogo, com especialização em Harvard, foi um dos mais importantes do país nesta área, por 40 anos diretor do Museu de Zoologia da USP. Compositor de música popular, basta citar duas composições suas para atestar a dimensão do seu talento: Ronda e Volta por cima.
Quando Vinicius de Moraes decretou que São Paulo era o túmulo do samba, certamente tinha Paulo Vanzolini como uma exceção à regra. Ele foi uma espécie de Dorival Caymmi paulista. Sua obra é curta, mas afiada, pessoal e intransferível: “Nunca fiz música pensando em gravar. Aliás, nunca fiz música para gravar mesmo. Sempre fiz pra fazer”, contou ele em entrevista ao Programa Ensaio, da TV Cultura. Em 1992.

Sua composição mais conhecida, Ronda, é obrigatória no repertório de cantores de barzinhos, país afora, citada em Sampa, de Caetano Veloso (o que não agradou a Vanzolini) chegou ao disco pro acaso. Em 1953, a cantora Inezita Barroso, que começava carreia foi para o Rio, gravar a Moda da pinga. Por acaso, Paulo Vanzolini, de quem era amigo, estava com ela no dia da gravação: “Quando chegou ao estúdio, teve um problema. Inezita não sabia que disco tem lado B. Então precisava de uma música para gravar nas costas de A moda da pinga. Acontece que ela sabia Ronda, e eu estava ali para dar autorização”.


Ronda, um clássico da MPB, composta quando Vanzolini ainda era estudante de medicina, não poderia ter tido melhor estreia. Além da privilegiada voz de Inezita Barroso, teve como acompanhantes os violonistas Zé Menezes, Garoto e Bola Sete. Mais Chiquinho do Acordeom e Abel de Oliveira no clarinete. Sua segunda música, Volta por cima, no entanto só seria gravada dez anos mais tarde, e mais uma vez o acaso contribuiu para o sucesso.

Ele a entregou para um violonista chamado Zé Henrique, que integrava grupo vocal paulista. Henrique ficou com a música por algum tempo, até que chegou para Paulo Vanzolini e confessou que a tinha repassado para um cantor novato chamado Mário. Vanzolini contou que brincou com o violonista: “Seu Zé, samba é que nem osso, uma vez que tá na rua, vai na boca de qualquer cachorro”.

O tal Mário tinha o apelido de Noite Ilustrada e Volta por cima foi lançada por em 1962: “Três meses depois, eu volto do Amazonas e no domingo ao meio-dia ligo a Bandeirantes na parada de sucesso. Pela terceira consecutiva, era Volta por cima na parada de sucesso. Foi a maior surpresa que eu tive na minha vida”.

Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa (1910/1982) foram os maiores compositores de samba de São Paulo. Dois cronistas das mazelas humanas e da cidade. Vanzolini era um paulista da gema, nascido na Brigadeiro Luiz Antonio, pertinho da Avenida Paulista. Chegou a morar dois anos no Rio, quando o pai foi construir a Escola Normal da cidade. Entrou para o Exército durante a Segunda Guerra Mundial, e deu baixa em 1945: “Eu não fui general, mas fui a segunda coisa melhor que tem no Exercito, que é cabo. O general e o cabo são os dois únicos no Exército que não limpam cavalo e não assinam papel.

Boêmio, que teve entre os companheiros de copo e de samba o historiador Sérgio Buarque de Holanda, foi no Jogral, lendário bar do compositor Luis Carlos Paraná, que surgiu a ideia de de um álbum só com composições de Paulo Vanzolini. O disco, intitulado Onze sambas e uma capoeira, foi lançado em 1967, bancado pela agência do publicitário Marcus Pereira (frequentador do Jogral), com vários intérpretes, entre eles Chico Buarque e a estreante Cristina Buarque.

Seria o embrião da histórica gravadora Marcus Pereira. Nesse disco estão alguns sambas antológicos, porém menos conhecidos, de Vanzolini, como o primoroso Praça Clóvis, interpretado por Chico Buarque: “Na praça Clóvis minha carteira foi batidas/tinha 25 cruzeiros e o seu retrato/vinte e cinco, francamente, achei barato/pra me livrarem do meu atraso de vida/eu já devia ter rasgado e não podia/este retrato cujo olhar me maltratava e perseguia/um dia veio o lanceiro naquele aperto da praça/vinte e cinco, francamente, foi de graça”.

A vida de Paulo Vanzolini é o tema do documentário premiado Um homem de moral, de 2009, dirigido por Ricardo Dias. Sua obra musical completa foi reunida na caixa Acerto de contas de Paulo Vanzolini (2002, Biscoito Fino).


José Terles
JC

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