O
paulista Paulo Vanzolini, que morreu, antes de ontem, aos 89 anos, no
Hospital Israelita Alberto Einstein, em São Paulo, foi um homem de dupla
personalidade, ambas muito bem-sucedidas. Zoólogo, com especialização em
Harvard, foi um dos mais importantes do país nesta área, por 40 anos diretor do
Museu de Zoologia da USP. Compositor de música popular, basta citar duas
composições suas para atestar a dimensão do seu talento: Ronda e Volta por
cima.
Quando Vinicius de
Moraes decretou que São Paulo era o túmulo do samba, certamente tinha Paulo
Vanzolini como uma exceção à regra. Ele foi uma espécie de Dorival Caymmi
paulista. Sua obra é curta, mas afiada, pessoal e intransferível: “Nunca fiz
música pensando em gravar. Aliás, nunca fiz música para gravar mesmo. Sempre
fiz pra fazer”, contou ele em entrevista ao Programa Ensaio, da TV Cultura. Em
1992.
Sua composição mais
conhecida, Ronda, é obrigatória no repertório de cantores de barzinhos, país
afora, citada em Sampa, de Caetano Veloso (o que não agradou a Vanzolini)
chegou ao disco pro acaso. Em 1953, a cantora Inezita Barroso, que começava
carreia foi para o Rio, gravar a Moda da pinga. Por acaso, Paulo Vanzolini, de
quem era amigo, estava com ela no dia da gravação: “Quando chegou ao estúdio,
teve um problema. Inezita não sabia que disco tem lado B. Então precisava de
uma música para gravar nas costas de A moda da pinga. Acontece que ela sabia
Ronda, e eu estava ali para dar autorização”.
Ronda, um clássico
da MPB, composta quando Vanzolini ainda era estudante de medicina, não poderia
ter tido melhor estreia. Além da privilegiada voz de Inezita Barroso, teve como
acompanhantes os violonistas Zé Menezes, Garoto e Bola Sete. Mais Chiquinho do
Acordeom e Abel de Oliveira no clarinete. Sua segunda música, Volta por cima,
no entanto só seria gravada dez anos mais tarde, e mais uma vez o acaso
contribuiu para o sucesso.
Ele a entregou para
um violonista chamado Zé Henrique, que integrava grupo vocal paulista. Henrique
ficou com a música por algum tempo, até que chegou para Paulo Vanzolini e
confessou que a tinha repassado para um cantor novato chamado Mário. Vanzolini
contou que brincou com o violonista: “Seu Zé, samba é que nem osso, uma vez que
tá na rua, vai na boca de qualquer cachorro”.
O tal Mário tinha o
apelido de Noite Ilustrada e Volta por cima foi lançada por em 1962: “Três
meses depois, eu volto do Amazonas e no domingo ao meio-dia ligo a Bandeirantes
na parada de sucesso. Pela terceira consecutiva, era Volta por cima na parada
de sucesso. Foi a maior surpresa que eu tive na minha vida”.
Paulo Vanzolini e
Adoniran Barbosa (1910/1982) foram os maiores compositores de samba de São
Paulo. Dois cronistas das mazelas humanas e da cidade. Vanzolini era um
paulista da gema, nascido na Brigadeiro Luiz Antonio, pertinho da Avenida
Paulista. Chegou a morar dois anos no Rio, quando o pai foi construir a Escola
Normal da cidade. Entrou para o Exército durante a Segunda Guerra Mundial, e
deu baixa em 1945: “Eu não fui general, mas fui a segunda coisa melhor que tem
no Exercito, que é cabo. O general e o cabo são os dois únicos no Exército que
não limpam cavalo e não assinam papel.
Boêmio, que teve
entre os companheiros de copo e de samba o historiador Sérgio Buarque de Holanda,
foi no Jogral, lendário bar do compositor Luis Carlos Paraná, que surgiu a
ideia de de um álbum só com composições de Paulo Vanzolini. O disco, intitulado
Onze sambas e uma capoeira, foi lançado em 1967, bancado pela agência do
publicitário Marcus Pereira (frequentador do Jogral), com vários intérpretes,
entre eles Chico Buarque e a estreante Cristina Buarque.
Seria o embrião da
histórica gravadora Marcus Pereira. Nesse disco estão alguns sambas
antológicos, porém menos conhecidos, de Vanzolini, como o primoroso Praça
Clóvis, interpretado por Chico Buarque: “Na praça Clóvis minha carteira foi
batidas/tinha 25 cruzeiros e o seu retrato/vinte e cinco, francamente, achei
barato/pra me livrarem do meu atraso de vida/eu já devia ter rasgado e não
podia/este retrato cujo olhar me maltratava e perseguia/um dia veio o lanceiro
naquele aperto da praça/vinte e cinco, francamente, foi de graça”.
A vida de Paulo
Vanzolini é o tema do documentário premiado Um homem de moral, de 2009,
dirigido por Ricardo Dias. Sua obra musical completa foi reunida na caixa
Acerto de contas de Paulo Vanzolini (2002, Biscoito Fino).
José Terles
JC
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