terça-feira, 23 de abril de 2013

Memória / Música: Ronnie Von revela o verdadeiro significado de suas obras


Em 1968, Ronnie Von jogou para o alto sua imagem de Pequeno Príncipe e bom moço para colocar o decisivo riff distorcido na psicodelia tupiniquim. Os primeiros passos haviam sido dados por ele mesmo em “Ronnie Von 3” (1967), com Caetano Veloso e Os Mutantes - estes, aliás, batizados pelo próprio Ronnie quando tocavam no programa que ele apresentava na Rede Record, “O pequeno mundo de Ronnie Von”. No final da década de 1960, o cantor lançou o LP “Ronie Von”, reiniciando a contagem de seus discos como se estivesse recomeçando dali sua carreira. A primeira faixa, “Meu novo cantar”, deixava isso bastante claro: “Doa a quem doer/ Então eu vou cantar/ Meu canto é pra valer/ Meu canto é pra mudar”.
A mudança não durou tanto tempo assim. Em “Ronnie Von” (1972), por pressão da indústria fonográfica, descontente com o resultado de tamanha transgressão na venda de discos do galã, ele retomou suas canções românticas e populares - não sem arranjar um jeito de impor sua personalidade com “Cavaleiro de Aruanda”, tema de umbanda composto por Tony Osanah incluída no repertório. Contudo, três anos foram o bastante para deixar como legado um dos tesouros da música nacional, a trilogia psicodélica composta por “Ronnie Von” (1969), “A misteriosa luta do Reino de Parassempre contra o Império de Nuncamais” (1969) e “A máquina voadora” (1970).
Para comemorar o Dia do Vinil (20 de abril), finalmente a trinca cultuada será relançada pela Polysom, este mês, em versão 180 gramas com som remasterizado das fitas originais de gravação da época. O projeto faz parte do projeto “Clássicos em Vinil”, que busca resgatar discos marcantes da história fonográfica brasileira e relançá-los. Álbuns como “Secos & Molhados” (de Secos & Molhados), “Cabeça Dinossauro” (Titãs) e “Nós Vamos Invadir Sua Praia” (Ultraje a Rigor) já passaram por esse processo.


A trilogia psicodélica é o ponto alto da carreira de Ronnie Von. “Tudo o que fiz depois não foi tão interessante. Quando deixei de experimentar, me violentei musicalmente”, chegou a comentar o músico em entrevista dada à revista Época, em 2010. Em 2006, a Universal já havia reeditado “Ronnie Von” e “A máquina voadora” em CD, mas “A misteriosa luta...” ficou de fora. Em lojas de colecionadores, o CD podia ser encontrado por cerca de R$ 60. Segundo Ronnie Von, o vinil estava sendo vendido por quase US$ 1500 em um estabelecimento no Japão.
Fã dos discos dos Beatles que o pai trazia para ele do exterior, o príncipe de olhos claros ficou encantado pelo psicodelismo dos ingleses e decidiu que aquele era o tipo de som que queria fazer. Com músicas como “Espelhos quebrados” e “Silvia: 20 horas no domingo”, o álbum que ele lançou pela Polydor em 1969, produzido por Arnaldo Saccomani, é puro experimentalismo,.
Obviamente, tanta psicodelia não foi bem vista pela mídia, fãs, nem pela gravadora, que jul­gou o trabalho pouco comer­cial. Mas o principal proble­ma que Ronnie Von teve foi com a família. O pai achava que aquele tipo de música era coisa de jovens rebeldes, drogados e transviados e expulsou o filho de casa.
Ainda bem que o cantor não se deu por vencido e lançou outra pérola. Feito sob a supervisão de André Midani, presidente da gravadora, “A misteriosa luta...” é mais conceitual e tem um som maduro, com toques progressivos. O disco traz viagens sensoriais em faixas como “De como meu herói Flash Gordon irá levar-me de volta a Alfa Centauri” e “Atlântida”. Outras como “Regina e o mar” e “Mares de areia” lembram bastante o que seria feito no udigrúdi pernambucano, em temática e sonoridade.
Contudo, o destaque fica mes­mo para as versões. A ousada releitura de “Dindi” (Tom Jobim) é uma das melhores já feitas. “Comecei uma brincadei­ra” (“I started a joke”, Bee Ge­es) consegue superar a original.
“A máquina voadora”, embora tenha algumas composições interessantíssimas como a que dá nome ao disco e “Imagem”, é um pouco mais contido e denuncia que o romantismo voltaria a imperar. Ronnie, que queria transformar os quadros de René Magritte e Salvador Dalí em canção, foi obrigado a cantar para obter suspiros, não transes. Mas sua música contribuiu para que a caretice olhasse com olhos mais simpá­ticos para os psicodélicos, que ganharam espaço. A tropicália entrou nos lares brasileiros. A trí­a­­de psicodélica de Von significa.

Ingrid Melo, da Folha de Pernambuco

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