quarta-feira, 10 de abril de 2013

LIVRO: Livro mostra a gênese do olhar menino e suburbano de Aldir Blanc


O compositor e seu pai Alceu no bar do Momo
Foto: DivulgaçãoRIO - Ao responder de onde vem sua poesia suja e terna, Aldir Blanc inicia com um “essa é fácil”:
— Da infância em Vila Isabel e da adolescência braba no Estácio. Estou convencido de que, no fundo, quem “letra” é o menino e o adolescente. Os cacos que sobraram.
O olhar desse menino e desse adolescente está exposto de forma inteira em “Aldir Blanc — Resposta ao tempo” (Casa da Palavra), do jornalista Luiz Fernando Vianna — o lançamento é nesta quarta-feira, às 19h, na Livraria Argumento (Rua Dias Ferreira, 417). Ele aparece não só na história de vida contada no livro (que documenta a formação desse olhar), mas também impresso nas mais de 450 letras incluídas ali — cerca de cem inéditas.

— Se o livro tem algum mérito, sobretudo para quem gosta das letras do Aldir, é mostrar, ainda que resumidamente, como essa cabeça poética se formou — diz o autor. — É esse paraíso da infância, mas com a doença da mãe pairando, o inferno da adolescência, o novo paraíso da primeira juventude, o inferno da perda das filhas gêmeas (em 1974, as meninas prematuras morreram ao nascer)... Emoções intensas na vida de um cara sensível e obcecado por leituras. Deu o caldo que deu.


Em meio às letras (escritas para melodias de parceiros como João Bosco, Guinga, Moacyr Luz, Edu Lobo e Maurício Tapajós), há clássicos
como “Amigo é pra essas coisas” (o primeiro sucesso), “Incompatibilidade de gênios”“Kid Cavaquinho”“O bêbado e a equilibrista”“O ronco da cuíca”“O mestre-sala dos mares”“Corsário”“Nação”“Saudades da Guanabara”“Catavento e girassol” e “Resposta ao tempo”. Mas há também belezas menos lembradas, como “Adolescente” (“Aos hipócritas que estão no júri/ Tenho a declarar que não sou culpado/ E não sou inocente/ De ter me envolvido/ Com uma adolescente”), “Viena fica na 28 de Setembro” (“Pobres balconistas de paquete, de ar infeliz/ São novas Bovarys”) ou “Valsa do Maracanã” (“Quando eu ficar assim/ Morrendo após o porre/ Maracanã meu rio/ Ai corre me socorre”). Mas as inéditas — veja os comentários de Aldir sobre algumas delas no link acima — carregam um charme especial para o fã. Algumas devem ser gravadas, como “Duro na queda” e “Modinha do contra” (ambas com João Bosco). Outras ficaram esquecidas no tempo, por motivos que nem o poeta sabe bem:
— Quando acreditavam no tal mercado, do qual sempre desconfiei, a culpa era dele. Depois veio a fraude em Wall Street e crash! Tem a pirataria e os ferozes adeptos do “liberou geral”. Deve ser uma mistura de tudo isso, junto com a falência da “ética protestante do capitalismo” — ironiza.
Camisinhas e torresmos
Vianna também chama a atenção para uma das inéditas presentes no livro:
— Gosto muito de uma que é só do Aldir, muitas vezes um inspirado melodista. “Outras línguas”, dos anos 1980, fala de como o amor pode derrotar, ainda que provisoriamente, as angústias e as ânsias destrutivas e autodestrutivas. Um tanto autobiográfica, imagino.
O próprio Aldir admite que as letras, ao longo dos anos, carregam parte de sua biografia:
— Elas meio que acompanham minha vida, com suas alegorias e seus desenganos — resume.
Atravessando inéditas e famosas, os versos que dão força poética (ora com humor, ora de forma amorosa) a imagens cruas como absorventes e camisinhas que descem o rio poluído (“Valsa do Maracanã”), torresmos e moelas num botequim (“Entre o torresmo e a moela”) e exames de HIV (“Carta de pedra”). Dorival Caymmi cravou uma definição clássica para Aldir: “ourives do palavreado”. Luiz sintetiza:
— Superar Caymmi não dá. Mas Aldir é um cara que mostra que há luxo no lixo e lixo no luxo. Por isso tanta gente torce o nariz para ele. Não percebe que está sentindo o próprio cheiro.
O autor nota que, apesar do estilo marcante, Aldir apresentou mudanças em sua poesia com o passar dos anos:
— Ele nunca foi linear, cartesiano na maneira de escrever, mas talvez em boa parte das canções dos 1960 e 1970 houvesse interesse em contar histórias, fazer crônicas amarradas, narrar casos de amor. Dos 1980 para cá, acho que ele foi se desligando disso e fazendo viagens mais livres, inventando neologismos, exacerbando suas paixões, as pró e as contra. Essa forma de criar letras ainda mais livre também tem a ver com Guinga, cujas melodias assimétricas, difíceis, ajudaram a soltar certos bichos do Aldir.

LEONARDO LICHOTE
O Globo

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