PARIS - Aos 23 anos, no tempo de um CD
de 13 canções, Dominique Pinto alcançou notoriedade sob um nome artístico: Dom
La Nena. A varinha mágica da metamorfose é o seu inseparável violoncelo,
instrumento que carrega em suas costas como se fosse parte do corpo. Seu recém-lançado
álbum de estreia, “Ela” (gravadora Six Degrees), de composições próprias
cantadas com afinada voz de menina, foi acolhido com generosos elogios por
parte da prestigiada crítica musical francesa e americana, seja da revista “Les
Inrockuptibles” ou do jornal “The New York Times”. Nascida em Porto Alegre, seu
idioma musical é o português, mas também canta em espanhol ou em inglês. Já
viveu em Buenos Aires e hoje mora em Paris. Em cena, sua aparência infantil
contrasta com a precoce maturidade musical.
No fim de março, Dom subiu ao palco da
sala La Boule Noire, na capital francesa, para o show inaugural da turnê de seu
CD, com lançamento previsto para julho ou agosto no Brasil, pela Som Livre. O
público francês aplaudiu com entusiasmo sua performance e pediu bis.
— Foi superemocionante e gratificante.
As pessoas escutavam e prestavam atenção como se compreendessem o que eu estava
cantando — disse, dias depois, enquanto bebia um chá no bar Général Lafayette.
Canjas de Kiko Dinucci e Thiago Pethit
Sua voz suave envelopada por arranjos
minimalistas e delicadas melodias, por vezes se assemelhando a canções de ninar
(como em “Menina dos olhos azuis”), resulta numa música que ela mesma tem
dificuldade em identificar:
— Não sei definir. Folk em português?
Mas não é realmente folk. É um mistério para mim. Mas não faço questão de
entrar numa gaveta.
No álbum, além de violoncelo, Dom La
Nena toca piano, contrabaixo e violão. Participam ainda do disco o inglês Piers
Faccini (que assina a coprodução), a cantora francesa Camille e os brasileiros
Kiko Dinucci e Thiago Pethit. Suas letras remetem ao seu nomadismo da infância
e à sua condição de estrangeira. Em “No meu país”, canta: “Não venho daqui/ não
venho de lá/ não venho de nenhum lugar/ Não sei onde nasci/ não lembro onde
cresci/ mas sei que sempre tive um lar”.
— Só vivi no Brasil na minha infância.
Hoje, estou longe. Essas duas coisas estão muito ligadas. Em torno disso estão
as letras no disco, do fato de me sentir sem pertencer a nenhum lugar. Adoro
ser brasileira, mas não sei realmente se é a minha cultura, porque conheço mal
o país. É quase uma vergonha para mim — admite.
Hoje ela escuta muito Tom Jobim, Chico
Buarque, Novos Baianos, Dorival Caymmi (de quem canta “Morena do mar” no show);
aprecia nomes da nova geração como Tulipa Ruiz, e também estrangeiros como Cat
Power, Leonard Cohen ou a música francesa do grupo Noir Désir. Ao completar 4
anos de idade, a pequenina Dominique pediu para a mãe colocar o compositor
Antonio Vivaldi (1678-1741) na lista de convidados para a sua festa de
aniversário. “Foi quando aprendi o que significava morte”, relata. Aos 5 anos
estudava piano em Porto Alegre e, aos 8, começou o aprendizado do violoncelo.
Nesta época, se mudou com a família para a França, onde durante quatro anos e
meio o pai cursou um doutorado em Filosofia.
— Aos 10 anos eu já sabia que queria
ser violoncelista. Estava empolgada com o instrumento — conta.
O retorno a Porto Alegre foi difícil
pela falta de perspectivas de estudos de cello. Mas sua persistência venceu. No
anuário, achou o número de telefone em Nova York da violoncelista americana
Christine Walevska.
— Eu era uma superfã dela, e liguei.
Ela foi super querida, estava indo para a Argentina, fui encontrá-la, e ela me
indicou um professor lá. Meus pais eram melômanos, me apoiaram, e aos 13 anos
me mudei sozinha para Buenos Aires, para estudar no conservatório.
Na temporada argentina, era
constantemente chamada de “la nena” (a pequena), por ser sempre a caçula de
todos os grupos que frequentava, e de onde saiu a inspiração para “Dom La
Nena”. Aos 18 anos, Dominique passou no teste da École Normale de Musique de
Paris. De volta à França, os encontros musicais a levaram a participar da
gravação em estúdio de um álbum da cantora Jane Birkin. Foi a sua primeira
experiência fora do repertório da música clássica.
— Estava supernervosa, porque nunca
tinha tocado sem partitura. E a Jane me convidou depois para a turnê do disco.
Demos a volta ao mundo em dois anos, foi uma experiência incrível e muito rara.
As colaborações se sucederam: Etienne
Daho, Camille, Piers Faccini, Sophie Hunger, Rosemary Standley (do grupo
Moriarty). Suas primeiras composições surgiram nas férias em Porto Alegre. Sem
pretensões e com sinceridade, diz ela, “meio que saiu o disco, na diversão”.
— Agora ficou sério o negócio — brinca.
Na semana passada, Dom passou por Nova
York, Los Angeles e São Francisco para fazer a promoção do álbum. Sobre a mesa,
já tem convites para participar de festivais internacionais. No final de maio,
será a principal atração em outro teatro parisiense, o Café de la Danse. Em sua
incipiente carreira, confessa:
— Estou apavorada.
FERNANDO EICHENBERG
O Globo
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