Em julho próximo, será lançado nos Estados
Unidos o primeiro livro sobre maracatu, escrito por um músico e pesquisador
americano, Scott Kettner, em parceria com o conterrâneo Aaron Shafer-Haiss e a
pernambucana Michele Nascimento (mulher de Kettner). Maracatu for drumset and
percussion, que será publicado pela Hall-Leonard, maior editora de livros sobre
percussão do mundo, conta a história do maracatu, traz partituras para ser
aplicadas à bateria, e procura o elo entre o ritmo nascido em Pernambuco, o Mardi
Gras indians e o second line, ritmo de New Orleans, cujas origens tem muito em
comum.
O
início de tudo começou com um baterista chamado Billy Hart, que tocou com todo
mundo nos Estados Unidos: da clássica dupla de soul Sam & Dave a Miles
Davis (no disco On the corner, de 1972). Scott Kettner estudou bateria com
Hart, que o influenciou. "Cheguei para Hart e disse que estava cansado de
samba e bossa nova. Queria saber se no Brasil não havia outro ritmo. Ele me
disse que havia um ritmo novo (sic) do Nordeste chamado maracatu, mas que não
sabia tocar. Procurei alguns bateristas brasileiros conhecidos, mas eles também
não sabiam. Ficou aquele mistério, então resolvi vir ao Recife", conta
Scott Kettner, que esteve esta semana na cidade, tentando convencer autoridades
da cultura oficial pernambucana a liberar parte dos custos da ida de doze
integrantes do Maracatu Estrela Brilhante para uma turnê americana, com sua
banda, a Nation Beat, do Brooklin, Nova Iorque.
O
pesquisador norte-americano Scott Kettner conheceu no Recife músicos como o
percussionista Jorge Martins (ex-Cascabulho), que fez a ponte entre ele e os
mestres dos maracatus Estrela Brilhante, Nação Porto Rico e Cambinda Estrela.
Ele pesquisou a trinca de maracatus, realizou uma bateria de entrevistas com os
mestres e rainhas: "Fui a todas as fontes disponíveis, vídeos, discos.
Entrei em contato com Katarina Real. Conversei muito com ela por telefone. Ela
me mandou materialsobre maracatu", conta Kettner, ressaltando o papel da
antropóloga americana Katarina Real(1927/2006). Autora de livros importantes
como O folclore no Carnaval do Recife (1967) e Eudes, o rei do maracatu (2001),
Katarina Real morou no Recife até meados dos anos 60 e chegou a ser secretária
geral da Comissão Pernambucana de Folclore. A pesquisadora ganhou a confiança
dos mestres e rainhas de maracatu a ponto de se tornar guardiã, por 13 anos, de
Joventina, calunga do maracatu Estrela Brilhante do Recife.
"Comecei
a pesquisa em 1999, mas teve uma coisa que, posso garantir, mudou a minha vida:
a abertura do Carnaval com Naná Vasconcelos e os diversos maracatus. Imagino
como foi difícil juntar aqueles músicos de nações diferentes, cada qual com seu
sotaque no toque", comenta o músico e musicólogo americano. Ressaltando
que os idiomas rítmicos refletem a distinção de etnias nas origens das nações.
Ao contrário, certamente, do que supõem batuqueiros de final de semana, o toque
do maracatu muda de acordo com a nação. "No livro comento essas
contradições. Fica difícil para as nações preservarem a tradição no mundo
contemporâneo. Estão absorvendo muitas influências de fora. Alguns ainda
procuram mantê-las-las intactas, como o Estrela Brilhante de Igarassu e o Leão
Coroado, que não permitem mulher tocar alfaia", aponta Scott Kettner. Em
Maracatu for drumset and percussion, Kettner vai além de procurar esclarecer
para o mercado americano o que é e como se toca este gênero. Incluiu um
capítulo sobre o manguebeat, enfatizando a atuação de Chico Science & Nação
Zumbi, que contribuiu para disseminação de alfaias mundo afora Explora também
as semelhanças entre o maracatu, o coco e os ritmos do Carnaval de Nova
Orleans.
CABOCLOS
E ÍNDIOS
No
século 18, os escravos fugitivos abrigavam-se nos pântanos da Luisiana, onde
eram acolhidos pelas tribos indígenas que viviam ali. Este convívio acabou em
miscigenação, inclusive racial e cultural. No Mardi Gras, o Carnaval de Nova
Orleans, as figuras coloridas dos grupos indígenas são um dos destaques da
festa. Scott Kettner dedicou um capítulo à confluência dos rios Capibaribe e
Mississippi, que banham, respectivamente, o Recife e Nova Orléans: From the
Mississippi to the Capibaribe. "As semelhanças no ritmo são muito grandes,
como também nos trajes. Tanto o maracatu quanto os índios do Mardi Gras usam a
sombrinha. Aqui, os maracatus podiam tocar nos pátios das igrejas, em Nova
Orleans haviam as chamadas Congo Squares, as Praça do Congo, o único lugar em
que se permitiam que os negros tocassem o batuque deles", explica Scott
Kettner.
José Teles
JC
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