Em 1999, o pessoal da revista
Bizz, então a principal publicação do Brasil sobre música pop, me
encomendou uma matéria com Reginaldo Rossi, que estava estourado no país
inteiro, com um álbum ao vivo. Marcamos às 12h30, ele chegou perto das
14h. “Estava fazendo rádio”, desculpou-se. Me cumprimentou rapidamente, disse
que ia tomar um banho e voltava logo.
Voltou logo, com o almoço:
bolachas cream crackers, latinhas de cerveja, e um quitute de boi num prato.
Seu almoço. Conversamos durante quase três horas, na varanda da casa onde então
morava, a beira-mar em Candeias (à altura da curva do Sesc). Agradeço ao amigo
Sérgio Martins, da Veja, que resgatou a história (e postou no Facebook), e que
republico, na íntegra, em homenagem um grande artista que se foi hoje.
Reginaldo
Rossi Pioneiro do rock brasileiro, ídolo da geração manguebit e cada vez mais
popular no Norte/Nordeste, Reginaldo Rei é espontaneamente tudo que Falcão
gostaria de ser. Em mais de trinta anos de carreira, ele jamais parou de fazer
shows. Fundador, pelos idos de 1965, do primeiro conjunto de rock do Nordeste,
o Silver Jets, ele só ficou sem gravar entre 1975 e 1980.
Teve
sucessos na Jovem Guarda, viveu boas fases no começo dos anos 70 e na década
passada. Mas está impossível em 1999: é prioridade da poderosa gravadora Sony
Music, que lançou no fim do ano passado seu primeiro disco ao vivo. Saindo com
250 mil pedidos antecipados, o CD deve ganhar certificado de platina em breve.
Será o terceiro da carreira de Reginaldo Rei, como ele é conhecido agora.
Nascido
em 1944 (nos Coelhos, bairro pobre do Recife, e criado no Méier, Zona Norte do
Rio, ele é atualmente o artista mais popular do Norte/Nordeste. Hoje não há na
Bahia banda de trio elétrico que não toque ao vivo seu sucesso Garçon (com n mesmo, foi lançado assim, assim
ficou). Nem a Eva da badalada Ivete Sangalo escapa, Ricardo Chaves até a
regravou. “Foi essa canção que me trouxe de volta para esta fase maravilhosa”,
agradece.
Por volta
de 1983, um cantor recifense pediu-lhe que escrevesse uma música para seu novo
disco. O sujeito não apenas estava numa dureza franciscana como ainda por cima
descobriu que andava sendo traído. Precisava, portanto, de um sucesso que lhe
levantasse o moral e a conta bancária. Reginaldo Rossi fez Garçon, mas o amigo acabou não gravando. Um desses maestros
inteligentes disse que era simples demais para ele cantar. Sobrou para
Reginaldo mesmo e, desde então, essa corneira sobre um sujeito que toma um
pé-na-bunda e vai ao bar se embriagar (garçom, eu sei que eu tô enchendo o
saco, mas todo bebum fica chato) só lhe dá alegrias.
Em 1999,
o fenômeno deve ir além da Bahia, periga tomar conta do país inteiro. “Hoje me
chamam de brega-chique, me chamam de bregastar, chamam de cult, já tá todo
mundo achando que o Rossi é cult, não é mais brega”, conta ele na varanda de
sua casa espaçosa, à beira-mar, no bairro chique de Candeias, no Grande Recife.
Reginaldo se define como um homem de hábitos frugais. Seu prato preferido:
“Feijão, arroz e frango, o pescoço é a parte da galinha que mais gosto.
Feijão, arroz e bife. Feijão arroz e calabresa”. Seleide, sua mulher (é casado
há 26 anos), acrescenta: “Ele adora comida de lata”. Por comida de lata,
entenda-se: sardinha, mortadela e quitute de boi… O cantor aponta os dois
Vectras na garagem: “Poderia ter uma Mercedes, uma BMW, mas prefiro um carro
assim, médio”.
Pela
quantidade de shows que faz por mês, poderia mesmo ostentar um carrão
importado: são cerca de catorze, cada um custa 12 mil reais. Reginaldo Rossi,
um homem rico? “Olha, eu tenho uma equipe de dezesseis pessoas trabalhando
comigo. Graças a Deus, umas quarenta pessoas dependem diretamente do Reginaldo
Rossi”. A Sony espera vender um milhão de cópias de Reginaldo Rossi Ao Vivo – Grandes
Sucessos. Curioso é
que nenhuma das gravadoras que o tiveram antes como contratado havia pensado em
gravá-lo ao vivo.
IMPROVISO
E no
palco, onde incorpora personagens e maneirismos, é que ele mostra o segredo de
seu sucesso. Pode falar à la Roberto Carlos, para logo em seguida repetir
trejeitos de Elvis Presley. Entre uma música e outra, conta histórias, piadas,
saúda homens, mulheres, rapazes suaves, moças do sapato grande, crianças, e
fala barbaridades, do ponto de vista anatômico, pelo menos, como “homem
que é homem tem que babar o saco das mulheres”. A performance, que aparenta ser
cuidadosamente estudada, é toda improvisada. “Um amigo meu, músico, falou:
Reginaldo seu show é maravilhoso, mas só tem uma coisa ruim, a desorganização.
Quatro meses depois, ele me diz: Seu show é maravilhoso. Sabe qual o grande
gancho dele? A desorganização.
Reginaldo
não ensaia com seus músicos. Mais radical do que Chuck Berry (que nem sequer
tem um grupo fixo) , nem ele nem a banda sabem ao certo o repertório que
apresentam. A coisa funciona na base da química e, principalmente, da mímica.
“Usamos códigos: três dedos para baixo é mi menor, aí faço o sinal que vou
entrar nesse tom. Quatro dedos para cima é fá maior. Um dedo para cima é dó
maior, um para baixo é dó menor. A banda sabe o tom, mas não da música. No mi
menor, tanto posso cantar o Borogodá ou Na Hora do Amor”.
O
“borogodá” citado é o onomatopaico refrão de Deixa De Banca, antigo
sucesso de Erasmo Carlos no período áureo da Jovem Guarda (versão do rock
francês LesCornichons), que Reginaldo Rossi incorporou aos sessenta
hits que escolhe para cantar (entre 300 canções gravadas) a cada show. “Essa
música foi uma coisa maravilhosa na minha vida. Em 1975, a Som Livre comprou
uns tapes meus da Sony e fez um disco. Filmaram um clipe, era pra passar três
vezes por dia, mas passavam umas quinze, não tinham mais o que botar. Erasmo
tinha gravado em 1965, e Eduardo (Araújo) também. Mas, como estava esquecida, a
música pegou”, lembra, entre goles de cafezinho, um de seus raros vícios. Outro
deles é uísque com Coca-Cola. “Sou do tempo da Cuba Libre; depois que o rum
começou a me fazer mal, mudei para o uísque”.
ROCK AND
ROLL
Ele não
liga nem para a cor do rótulo. Aliás, lhe desce melhor um uísque nacional do
que um scotch red label. O que não entra no seu organismo de jeito nenhum é
droga. “Não me imagino dependente de nada, nem de horário. Nos shows eu digo
pra meninada (está no disco novo, gravado): Em vez de cheirar cocaína, melhor
cheirar a xereca da menina”. O público de Reginaldo tem gente de todas as
idades, mas a imensa maioria é de jovens e adolescentes. “Eu fundei o rock aqui
em Pernambuco e a meninada descobriu isso”. Ele cursou até o terceiro ano
de Engenharia, mas largou tudo pelo rock. Pagou o preço do pioneirismo. “A
gente alisava o cabelo para ficar parecendo os Beatles e o pessoal atirava
casca de laranja”.
No final
de 1965, já partia para carreira solo, esquentando os shows de Roberto Carlos
no Recife. Acabou sendo contratado por Geraldo Alves, empresário do próprio
Rei. “Fiz uma música chamada O Pão, que foi gravada pelo Sergio Murilo. Quando fui a São
Paulo gravar um compacto, mostrei minhas composições e terminei fazendo um LP”,
conta. O Pão estourou
em 1966, e abriu para o cantor as portas do programa Jovem Guarda. Na década de
70, na explosão da música brega, seu maior sucesso foi Mon Amour Meu Bem Ma Femme.
Mas, desde que voltou a morar no Recife, em 1980, é curtido em todas as classes
sociais. Faz um show num morro da Zona Norte e, na mesma noite, apresenta-se em
um clube privê na Zona Sul. Em Salvador, ano passado, cantou para 78 mil
pessoas.
Agora
algumas das principais bandas que formam a cena mangue (mundo livre s/a,
Querosene Jacaré) mais Lenine e Zé Ramalho gravam um disco-tributo a ele. “É
gratificante, prova que estive certo todo este tempo cantando o romantismo. Mas
eles escolheram músicas engraçadas. Por exemplo, Complexo De Cachorro (Estava completamente apavorado com um
caso que comigo aconteceu/ Deixei meu almoço bem guardado, e o gato lá de casa
comeu). Eu hoje morro de rir, mas Roberto Carlos não cantou também O Brucutu?”
O
pensamento vivo de Reginaldo:
Tropicalismo –
Foi um modismo, né? Todo modismo acaba, só o que se mantém é o romântico.
O maior movimento musical brasileiro foi a Jovem Guarda, o pessoal da
Tropicália teve de introduzir a guitarra para a coisa colar. Aliás, eles só
aceitavam Os Mutantes, um conjunto de rock, porque os Mutantes faziam protesto.
Cultura – Tenho uma certa cultura, canto bem em
inglês, em francês, mas tenho show domingo na praia, aí não posso cantar McArthur Park, nem Ne Me Quitte Pas.Eu gosto de
Mozart, de Schubert, de Beethoven. O que sei é que hoje em dia tá todo mundo
querendo ser brega. O chique não vende. Tietes – Estranhei no começo da
carreira, principalmente em São Paulo elas eram muito mais libertas (sic). Não
acho que hoje mudou muito, não, as meninas da Jovem Guarda já eram terríveis. A
gente saía com muitas garotas.
Brega/Chique – Logo depois da Jovem Guarda pintou um
movimento, acho que até meio esquerdista, e apareceu a divisão brega/chique.
Não consigo entender essa classificação. Se você dissesse ‘queima o quartel’,
você era chique, não precisava cantar mais nada. Mas isso só aconteceu aqui. O
mundo continuou igual, o Frank Sinatra continuou cantando aquilo, o Charles
Aznavour também. Ou você cantava MPB e era chique ou cantava romântico e era
brega. Foi quando passei três anos sem gravar, de 1975 até 80 (sic).
Indústria fonográfica –
Isto me foi dito por um diretor da EMI: quem sustentava a gravadora na década
de 70 era Reginaldo Rossi, Fevers, Agnaldo Timóteo, José Augusto, Fernando
Mendes… E eles gastavam uma verba com Fátima Guedes, que nunca vendeu disco,
com Joyce… Existe uma série de artistas que estão na mídia e não vendem nada,
têm prestígio, mas dão prejuízo pra gravadora. Antes havia uma isenção de
impostos que dava pra sustentar esse quadro, hoje não tem mais.
Pérolas
da poesia de Reginaldo Rossi:
Eu
conheci um cara Numa festa da pesada lá no Canecão Ele aprontava tanto rolo,
tanta confusão Dele me aproximei e ouvi esse refrão Ele dizia: Tô doidão, tô
doidão bicho, tô doidão (Tô Doidão)
Hoje eu
tive um sonho com Beethoven/ Que me ensinou um truque novo/ Pra fazer essa
canção/ Beethoven também era cabeludo/ Desligado e ainda surdo/ Mas foi um
grande campeão/ E disse: Reginaldo, vá cantando Sua brasa vá mandando E deixe
quem quiser falar Que eu aqui de cima vou torcendo/ E uma figa vou fazendo
junto com Haendel e o amigo Bach (O Gênio Cabeludo)
Meu broto
está chato demais Diz que eu não sou bom rapaz Vive a falar mal de mim E eu não
sou mau assim Se vivo trocando de amo-oor/ É porque sou bom paquerador (O Paquerador)
Quando eu
peço amor, ela me dá paz/ Quando eu peço corpo, ela dá demais/ Quando eu
infrinjo as leis naturais/ Ela dá de ombros, se oferece mais/ Ela se faz Eva e
eu sou Adão/ Ela é Dalila sem traição Jamais dançou como Salomé Ela não quer
ser mais que uma mulher (Mulher)
Se você
for até Recife Não esqueça da esteira e do chapéu/ Pois as praias e o sol de
Recife Mais parecem coisas lá do céu (…)/ Em toda cidade, quanta liberdade
A-há/ como tem moça/ E a velha Olinda, que coisa mais linda Como tem moça, como
tem moça (Recife) (versão de San Francisco (Be Sure To Wear Some Flowers In Your Hair)
Confiram
Reginaldo Rossi e o áudio do seu primeiro sucesso nacional, O pão:
José
Teles
Jornal do Commercio
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