É com sotaque bem marcado que a voz mais conhecida do Brasil entoa em espanhol: “El tipo que piensa en ti a toda hora/ Que cuenta segundos si tú te demoras”. O tipo em questão é Roberto Carlos. Se não é de hoje que ele mantém olhar atento para o mercado latino-americano, o lançamento do EP de 'Esse cara sou eu', ou melhor, 'Ese tipo soy yo', é feito em momento oportuno para a integração musical do Brasil na América Latina. A expectativa em torno do fato tem história.
“A Copa, sem dúvida, traz mais alerta, reconhecimento e curiosidade pelo Brasil. O acesso à música, hoje, existe com a internet de uma forma jamais vista antes, sem nenhuma barreira, basta procurar. Assim também a chance de termos hits instantâneos, mesmo em português, são enormes”, avalia Alexandre Schiavo, presidente da Sony Music Brasil. O sambista Diogo Nogueira e o bandolinista Hamilton de Holanda também estão ligados no novo momento.
Ao subir ao palco para cantar os maiores sucessos da carreira para uma plateia majoritariamente colombiana em Belo Horizonte, Nogueira já anunciava: “Vou lançar um disco para o mercado latino”. O álbum, no caso, é 'Bossa negra', gravado em parceria com o bandolinista Hamilton de Holanda. Apesar do título, o disco mistura sambas, bossas e choros em português. No caso do instrumentista, o interesse por novos mercados vem sendo construído há algum tempo.
Desde 1997, Hamilton de Holanda tem se apresentado com frequência em países latinos. A Venezuela foi o primeiro e é até hoje um dos lugares onde é recebido com mais entusiasmo. “Por alguns motivos acho que o Brasil precisa se integrar mais. Apesar de ter uma riqueza musical muito grande, que nos dá subsistência, para mim é sempre renovador poder compartilhar com músicos de nossa fronteira” diz. 'Bossa negra' foi uma ideia dele.
Neste momento, Hamilton finaliza a mixagem das últimas faixas. O lançamento está marcado para agosto, primeiro no Brasil e depois nos países vizinhos, com direito a turnê. “Como as agendas do exterior são fechadas com mais antecedência, pensamos nisso para 2015”, adianta. Se por um lado há o encantamento do público por nossos ritmos, por outro há investimento por parte dos artistas.
Como aponta Alexandre Schiavo, historicamente, as tentativas brasileiras de presença no mercado latino foram prejudicadas pela distância. Ser reconhecido fora do Brasil significa disponibilidade para estar presente fisicamente nesses mercados de forma planejada e contínua. Segundo ele, um artista popular e de sucesso chega fazer mais de 200 shows em um ano, não sobrando tempo para trabalhar de forma correta os mercados internacionais. “É uma decisão difícil encontrar tempo em mercado competitivo como o nosso e sair para começar do zero”, avalia o presidente da Sony Music no Brasil.
“A música brasileira é apreciada e valorizada nos países de língua hispânica da América Latina, especialmente a instrumental, que, talvez pela diferença de idioma, penetra de maneira mais direta que a música cantada. O que está influenciando mais e promovendo pontes importantes entre nossos países”, analisa a jornalista venezuelana Yubirí Arraiz Pinto. Segundo ela, exemplos como o de Roberto Carlos sempre foram um caso à parte.
Rei em versões Roberto Carlos lança o EP de 'Ese tipo soy yo' em 12 de agosto. A música está disponível para audição e venda em plataformas digitais desde o fim de junho. A expectativa é repetir nos países latinos os números do Brasil, ou seja, bater a marca de 2 milhões de cópias. Lançada em novembro de 2012, 'Esse cara sou eu' entrou na trilha sonora da novela 'Salve Jorge' e permaneceu durante os três primeiros meses entre as cinco músicas mais tocadas do Brasil, de acordo com o Ecad.
A história do Rei com o mercado latino é antiga. Na época em que ele lançava um álbum por ano em português, a mesma versão era gravada em espanhol. Desta vez, também ganharam letras em castelhano canções como Loco por ella, La mujer que amo e Tu regreso. “Gravar em castelhano possibilita uma maior aceitação nas rádios e como o Rei fala o idioma perfeitamente, também facilita muito nas entrevistas de divulgação. Então, é mais natural que ele também cante na língua em que fala”, explica Schiavo. No dia 23, Roberto Carlos começa a turnê por Guayaquil e Quito, no Equador, e também passa por sete cidades mexicanas antes de se apresentar nos Estados Unidos.
Brasil pode liderar integração
Muito se fala sobre a dificuldade contrária: de a música latina emplacar no Brasil. Para Hamilton de Holanda, não se trata de falta de atenção. “É uma coisa histórica”, comenta o músico. Há alguns anos, Alexandre Schiavo observa a lenta mudança no quadro. Ele foi o idealizador do festival Mundo Latino, com duas edições realizadas em São Paulo. “A pesquisa e o sucesso do público mostraram o grande interesse que o brasileiro tem pela música em espanhol, mas é preciso dar acesso a ela. O público responde”, garante o executivo.
Como ele explica, entre os objetivos do Mundo Latino havia desde a divulgação da diversidade da produção da região como a promoção de encontros. Foi nele, por exemplo, que surgiram parcerias como a de Marisa Monte e a cantora mexicana Julieta Venegas, assim como dos mineiros do Jota Quest e os argentinos do Illya Kuyraki & The Valderramas.
A jornalista venezuelana Yubirí Arraiz Pinto concorda que a Copa do Mundo pode ajudar no movimento de aproximação do Brasil com a América Latina. “O Brasil é um país-chave no continente, tanto na perspectiva geopolítica e econômica como de liderança. Por isso, em termos de mercado e de intercâmbio cultural, isso poderia contribuir para a tão desejada e sempre esquivada integração latino-americana, para além da barreira da língua”, analisa.
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