JARARACA: "CANGACEIRO
QUE VIROU SANTO"
No cemitério de Mossoró (Rio Grande do Norte) existe
um túmulo onde está enterrado o cangaceiro Jararaca (José Leite Santana) do
bando de Lampião, e que recebe visitas de peregrinos que vão em busca de
milagres. As pessoas mais antigas do lugar contam que a peregrinação decorre da
crueldade com que Jararaca foi jogado na cova, ainda vivo. O livro O Cangaceiro
que virou santo – 1980) ,do meu amigo Fenelon Almeida (já falecido) conta essa
história, no contexto da fracassada invasão de Lampião e seu bando a Mossoró,
em 1927.
Lampião sempre cobiçara assaltar Mossoró, cidade
desenvolvida, centro comercial em qual os negócios fervilhavam, principalmente
devido à exportação de sal e de algodão, considerada à época como o “ouro
branco”. O lugar demonstrava sinais de progresso, pois contava com três
jornais, estações telegráficas, agências do Banco do Brasil, estrada de ferro e
de rodagem. Tudo fascinava os ladrões e Lampião imaginara um assalto que
resultasse em grande quantidade de dinheiro. Mas, o bandido tinha também receio
e comentava com seus asseclas que Mossoró possuía “ igrejas de duas torres”,
típica de cidade grande.Mesmo assim, Lampião resolveu invadir a cidade.
Todavia, os cangaceiros foram rechaçados pelo valente prefeito Rodolfo
Fernandes que, juntamente com a polícia local e voluntários, armou trincheiras
em pontos principais de Mossoró. A edição do dia 13 de maio do jornal
O Mossoroense registrava, três dias depois do
confronto: “Lampião, enfurecido, ordenou que o bando atacasse violentamente a
cidade. Sofreu, porém, sério revés. Entrincheirados e armados de rifles e de
pistolas, grupos da cidade receberam os cangaceiros sob fortes descargas.
Travou-se prolongado renhido tiroteio, havendo perdas na horda dos assaltantes.
Lampião e seu bando fugiram.” Dois mortos e um ferido, o sanguinário Jararaca.
Na reportagem, Fenelon Almeida relata que Jararaca foi
encontrado pelo pequeno comerciante Pedro Tomé. Conta o repórter: “Ao
aproximar-se da moita, ainda para certificar-se da natureza dos sons que
escutara, Pedro foi encontrar um homem caído por terra, com as vestes
ensanguentadas, respirando com dificuldades, sentindo fortes dores no peito
direito. Era um homem de cor, compleição forte, ainda jovem. Logo lhe acudiu à
mente tratar-se de um cangaceiro de Lampião. Era Jararaca, que na Praça São
Vicente se arrastara até ali, numa tentativa de fuga. Mostrando-lhe o bornal
que era também a sua caixa-forte, Jararaca prometeu ao desconhecido pagar-lhe
generosamente, se ele encontrasse em algum lugar e lhe viesse trazer um pouco
de água, sal de cozinha e pimenta-malagueta. E também um canudo de mamoeiro.
Com esses ingredientes, ele pretendia, por suas
próprias mãos, limpar os ferimentos por fora e por dentro- e apontava para a
perna esquerda e o peito direito, onde as vestes estavam grudadas, no corpo,
tintas de sangue, de mistura com areia e outras sujeiras da caminhada e arrasto
pelo chão. Pedro Tomé prometeu atender-lhe o pedido. Recebeu o dinheiro de
Jararaca e saiu, apressado...O comerciante não cumpriu com a palavra e foi à
procura do primeiro soldado que descobrisse no caminho. Entre o instante do
encontro do comerciante com o cangaceiro ferido e a vinda dos soldados que o
prenderam e o levaram para a cadeia pública – uma distância no tempo que não
chegou a medir mais de uma hora- desapareceram o dinheiro, as jóias e outros
objetos de ouro, e todos ou quase todos os demais pertences do cangaceiro.
Já na delegacia e atendido por um médico, Jararaca
insistia em obter o canudo de mamoeiro e pimenta-malagueta. Perguntaram-lhe
como usar essa meizinha, e ele explicou dizendo: “no bando, quando alguém
recebe ferimento como este, sopra a malagueta pelo canudo colocado na ferida.
Sai a salmora no outro lado. Arde muito, mas a gente fica curado. ”Continua
Fenelon: “Jararaca dava sinais de que estava melhorando. Entretanto, sábado,
dia 18 de junho de 1927, alta hora da noite, por ordem do capitão Abdon Nunes
de Carvalho, comandante da guarnição local, retiraram o cangaceiro da cadeia,
dizendo que iam levá-lo para Natal. Mas, ao invés disso, conforme um combinado
secreto, transportaram-no diretamente para o cemitério local, onde uma cova
estava aberta à sua espera.
Ao ordenarem ao condenado que descesse do veículo e
entrasse no cemitério, o motorista Homero Couto ouviu quando Jararaca disse, a
meia voz:
-Valha-me Nossa Senhora!
Ao ver a cova que lhe fora preparada, Jararaca tornou
a falar:
-Vocês querem me matar. Mas não vou chorar de medo,
não. Nem pedir de mãos postas pra não me tirar a vida. Vocês vão ver como é que
morre um cangaceiro.
E- fato curioso!- não havia ódio nos gestos e palavras
de Jararaca. Havia desprezo, isto sim, muito desprezo; não ódio. Foi o que me
garantiu o repórter Lauro da Escóssia, que entrevistou um dos carrascos de
Jararaca.
O bandido foi morto de maneira bárbara. Estava com as
mãos atadas às costas. Primeiro, foi coronhada na nuca. Em seguida uma estocada
com arma branca em plena garganta, desferida com ódio e força descomunais pelo
sabre de um dos soldados que o escoltavam. Nas convulsões da morte, caído por terra,
o sangue ainda a escorrer do descomunal ferimento, o corpo de Jararaca foi
pisoteado pelos seus assassinos que o empurraram com os pés e fê-lo rolar para
o interior da cova. Imediatamente, cobriram-no de terra quando ele ainda estava
de olhos abertos, nas vascas da agonia final. Não deram tempo nem sequer de
morrer.
Foi sepultado ainda com vida.
O túmulo do cangaceiro, que hoje em dia é centro de
romaria, foi mandado construir por Neide Santiago, funcionária da Estrada de
Ferro de Mossoró, como sinal de gratidão por haver obtido uma graça especial
por intercessão da alma do cabra de Lampião.
E está escrito na lápide: “Aqui Jaze José Leite de
Santana, vulgo Jararaca. Nasceu em 1901- Faleceu-19-06-1927”.
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