· Decisão do cantor sobre a obra
‘O réu e o rei’, lançada há uma semana, foi anunciada na tarde desta
sexta-feira
· Sobre
biografia retirada das livrarias em 2007, autor diz: ‘A luta continua. O livro
não será proibido para sempre como diz a nota do advogado de Roberto Carlos’
RIO —
Do seu posto de Rei, Roberto Carlos decretou: Paulo Cesar de Araújo não será
réu novamente. A decisão se refere ao lançamento de “O réu e o rei”, publicado
pela editora Companhia das Letras há pouco mais de uma semana. A obra narra
justamente a produção e a briga jurídica em torno de “Roberto Carlos em
detalhes”, biografia publicada no fim de 2006 pela editora Planeta e que foi
retirada das livrarias meses depois em decorrência de um processo movido pelo
cantor.
A decisão de Roberto Carlos foi
anunciada na tarde desta sexta-feira, em nota divulgada para a imprensa e
assinada por Marco Antônio Campos, advogado do Rei: “Com relação ao livro ‘O
réu e o rei’, Roberto Carlos não vai tomar qualquer medida jurídica, em face
de: a) o livro não ser uma biografia sua, mas uma autobiografia do autor; b) ao
contrário do livro anterior, não conter invasão de sua privacidade e/ou
injurias ou difamações a sua pessoa. O livro “Roberto Carlos em Detalhes” não
foi censurado ou apreendido, mas saiu do mercado em face de um acordo judicial,
irrevogável e definitivo, assinado espontaneamente pelo autor do livro, o editor
e a editora.”
“O réu e o rei” foi lançado com uma
tiragem de 30 mil, mas a editora Companhia das Letras já imprimiu mais 15 mil
livros. Ou seja, hoje há no mercado 45 mil exemplares em circulação da nova
obra. Na ação judicial referente a “Roberto Carlos em detalhes”, os advogados
do Rei se apoiaram nos artigos 20 e 21 do Código Civil, de 2002, e conseguiram,
em abril de 2007, um acordo no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.
Como relata Paulo Cesar em “O réu e o rei”, a editora Planeta teve que entregar
ao cantor os 10,7 mil exemplares de “Roberto Carlos em detalhes” que estavam em
estoque, e ainda se comprometeu a comprar das livrarias todos os outros livros
que fossem encontrados.
Para biógrafo, há evolução no debate
Jornalista e historiador, Paulo Cesar
é pesquisador de música brasileira. Além das obras em torno de Roberto Carlos,
ele é o autor de "Eu não sou cachorro, não" (editora Record), sobre a
música brega no Brasil. Avisado pelo GLOBO da decisão do cantor de não entrar
novamente na Justiça, ele disse não se surpreender.
— Isso mostra como nós avançamos no
debate, eles devem ter avaliado a situação e constataram que não seria possível
obter o mesmo resultado de 2007 — diz Paulo Cesar. — Mas a nota divulgada pelo
seu advogado, que, aliás, é personagem de “O réu e o rei”, mostra que eles
ainda estão se agarrando ao que lhe resta, que é proibir o livro anterior.
Dizer que o acordo foi assinado “espontaneamente” é um sinal de que não leram
meu novo livro. A luta continua. “Roberto Carlos em detalhes” não será proibido
para sempre como diz a nota do advogado de Roberto Carlos. Lamento que eles
insistam nisso.
Em nota, a editora de “O réu e o rei”
também comentou a decisão de Roberto Carlos: “A Companhia das Letras considera
o livro de Paulo Cesar de Araújo, ‘O réu e o rei’ – com o relato da pesquisa e
dos passos que fizeram com que a biografia de Roberto Carlos fosse retirada do
mercado – um marco na história da luta pela liberdade de expressão no Brasil, e
em particular da luta pela liberdade de publicação de biografias e livros que
retratem a história do nosso país. Como todos os editores, aguardamos agora que
o Senado dê continuidade à tramitação do Projeto da nova Lei das biografias.”
O artigo 20 do Código Civil
brasileiro diz: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da
justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a
transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem
de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.” Mas a legislação está
em debate no Congresso, onde um projeto de Lei para a mudança no Código Civil
foi aprovado há menos de um mês na Câmara dos Deputados e espera votação no
Senado; e está em discussão também no Supremo Tribunal Federal, onde uma Ação
de Inconstitucionalidade movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros
(Anel) deve ser levada a plenário este ano.
O assunto ganhou as páginas dos
jornais e virou assunto constante nas redes sociais no segundo semestre do ano
passado, quando o grupo Procure Saber, do qual Roberto Carlos fazia parte ao
lado de artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, veio a
público se manifestar contra a liberação das biografias não autorizadas. O
debate mobilizou outros artistas, jornalistas, editores e escritores, e fez com
que os envolvidos, Roberto Carlos entre eles, fossem acusados de censores. O
Rei acabou deixando o Procure Saber, mas não abandonou a luta pelo direito à
privacidade: ele entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para que
possa participar, por meio do Instituto Amigo, criado por ele em dezembro, das
discussões do processo sobre as biografias.
Num trecho de “O réu e o rei”, Paulo
Cesar relata o que teria dito a Roberto Carlos, antes de assinarem o acordo
proibindo a biografia de 2006: “Roberto, este acordo, da forma que está
proposto aqui, é um absurdo. Isso é ruim para mim, para a editora Planeta, para
o mercado editorial, para a sociedade, e é ruim principalmente para você,
Roberto Carlos. Proibir e queimar livros em pleno século XXI é barbárie. Isto
nos remete à Inquisição, ao nazismo, às ditaduras militares. Protagonizar um
ato desses a essa altura de sua carreira será uma mácula na sua biografia. Não
a que escrevi, mas a sua própria.”
ANDRÉ MIRANDA
O GLOBO
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