Obra conta a trajetória do quarteto que durou apenas dez anos e vendeu dezenas de milhões de discos
RIO — Reações à menção do nome ABBA costumam ser as mais diversas, podendo ir do “sublime” ao “insuportável”. O que não dá para negar é que pouquíssimos grupos venderam tantos discos ao longo do História (de acordo com a fonte, algo entre 50 e 200 milhões) e tiveram uma marca tão profunda sobre o pop, graças a “Dancing queen”, “The winner takes it all”, “Fernando” e outras canções que se tornaram onipresentes nas rádios e TVs. E a força do legado desses suecos não se esgotou com o tempo — inclusive no Brasil, como se pode ver agora. No momento em que se comemoram os 40 anos da vitória da canção “Waterloo” no festival Eurovision, a editora Best Seller põe nas prateleiras “ABBA, a biografia”, tradução em português do livro de 2008 do sueco Carl Magnus Palm. E a Universal Music lança no país uma luxuosa reedição de “Waterloo” — de 1974, primeiro álbum internacional do quarteto e também o que marca a estreia do nome ABBA (leia mais abaixo).
Especialista no ABBA (“Essa é a minha profissão”, diz), Carl observa que, até o advento do quarteto (formado pelos casais Benny e Anni-Frid, Björn e Agnetha, que acharam na união de suas iniciais a solução para o dilema do nome artístico), ninguém fora da Suécia se mostrava interessado na música pop que se fazia por lá. Mas não foi só o sucesso internacional que marcou a trajetória do grupo. Nos 10 anos (1972-1982) em que esteve ativo, mobilizando as atenções do mundo, o cenário pop acompanhou a chegada do glam rock, do punk e da discotèque. Todos passaram. Mas não o ABBA.
— Eles não eram parte de nenhum movimento ou coisa parecida, eles faziam um trabalho próprio — analisa o escritor. — O que havia de inovador no ABBA era a forma como eles mostraram que, se levasse a música pop a sério e trabalhasse duro no estúdio, você poderia fazer algo com uma certa qualidade. Suas canções eram mais do quebubblegum (o chiclete musical dos grupos pré-fabricados do pop), eram bem trabalhadas. A música do ABBA foi feita para durar muito.
Numa época em que os astros do rock começaram a se orgulhar da sua voracidade por sexo, drogas e controvérsia política, o ABBA foi na contramão, com uma imagem careta, família, alguns diriam quase cafona.
— O ABBA sempre disse que não queria fazer nada além de divertir as pessoas. Eles não tinham grandes mensagens, só queriam fazer música pop boa — explica Carl, para quem o componente matrimonial foi algo fundamental para a construção do imaginário acerca do grupo. — Você pode ouvir na música o quanto eles estão apaixonados. E, de repente, você tem os dois divórcios (de Björn e Agnetha em 1978 e de Benny e Anni-Frid em 1981). E aí você consegue ouvir na música o quão infelizes eles estão. O público começa a fantasiar, a pensar no que aconteceu.
Nas páginas de “ABBA, a biografia”, não é raro encontrar episódios da carreira do grupo que representariam inovações para o pop. Como em 1974, quando, para evitar fazer desgastantes viagens internacionais, o quarteto decidiu investir na gravação (pelo diretor Lasse Hallström) de pequenos filmes sonorizados por suas músicas — o que depois se chamou videoclipe. Ou então quando, inspirados pelas primeiras gravações de um novo tipo de música negra americana, fizeram “Dancing queen”.
— Junto com artistas como (o produtor italiano) Giorgio Moroder, o ABBA injetou um elemento europeu que ajudou a dar uma outra cara à discotèque, mais para o fim dos anos 1970 — avalia Carl, que diz não ter tido problemas com os integrantes do grupo (que entrevistara para outros projetos) ao fazer a biografia. — Ninguém tentou me impedir de escrever o livro. Os membros do ABBA sabiam que as minhas intenções eram boas, que eu não ia escrever um livro com lixo de tabloide.
Referência cinematográfica (o estrondoso sucesso que o grupo fez na Austrália ilustrou nos anos 1990 os roteiro dos filmes “O casamento de Muriel” e “Priscilla, a Rainha do Deserto”), modelo para um dos mais respeitados grupos-tributo do pop (o Björn Again), inspirador de um musical (“Mamma Mia!”, que virou filme em 2008) e reverenciado por Madonna — que abusou de um sample de “Gimme! Gimme! Gimme! (A man after midnight)” no sucesso “Hung up” —, o ABBA é, junto com os Smiths, o grupo que os fãs mais esperam ver de novo, junto, no palco. O que, pela disposição dos ex-integrantes, é algo próximo do impossível.
— Pessoalmente, acho que eles tomaram a decisão certa. Primeiro, porque nunca iriam conseguir recriar a mágica que o ABBA tinha. Segundo, porque o natural para as pessoas criativas é mover-se adiante, não para trás.
Uma só canção sustenta o álbum, que tem lá os seus momentos curiosos
Até mesmo o biógrafo do ABBA admite: como álbum, “Waterloo” está muito longe de ser o melhor disco do grupo (honraria que costuma ser dada a “Arrival”, de 1976, que traz “Dancing queen”).
— Para mim, o sensacional é a canção “Waterloo”. Você pode ver que ela foi gravada nos anos 1970, mas ela ainda soa como nova, com muito apelo — diz.
Rock em estilo glam, com guitarra, sax e piano à frente, impulsionando as vozes de Agnetha e Anni-Frid numa letra que compara a conquista amorosa à vitória na guerra, não por acaso “Waterloo” abriu o caminho do ABBA para o mundo. A partir dela, o que se ouve no disco é claramente inferior, mas tem lá seus momentos. Uma mistura de rock anos 1950 e glam caracteriza a divertida “King Kong song”. “Hasta mañana” põe em evidência a grande influência que o grupo recebeu do cancioneiro folk europeu. E “Sitting in the palmtree” acopla elementos caribenhos com efeito cômico.
A reedição de “Waterloo” traz algumas boas curiosidades, como “Ring ring” (faixa com a qual o grupo, ainda como Björn, Benny, Agnetha & Frida, havia tentado a sorte na Inglaterra em 1973), versões alternativas das canções, um DVD com participações em TV e shows da época, além de um alentado libreto. Um registro histórico que exige boa vontade, mas traz recompensas.
SILVIO ESSINGER
O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário